quarta-feira, 14 de maio de 2008

Velhos perfumes em novos frascos - O racional de Hegel

"O que é racional é real e o que é real é racionalEsta é a convicção de toda consciência livre de preconceitos e dela parte afilosofia tanto ao considerar o universo espiritual como o universo natural.

(...)

Quanto ao ponto de vista inverso, o daqueles para quem a Idéia só vale nosentido restrito de representação da opinião, a esses opõe a filosofia a visão maisverídica de que só a idéia, e nada mais, é real, e então do que se trata é dereconhecer na aparência do temporal e do transitório a substância que é imanentee o eterno que é presente."
Hegel (Princípio da filosofia do direito -Pg.10)

É bonito. Mais que isso. Hegel é poético, quanto o assunto é anunciar esta verdade, este "segredo" filosófico:

"Com efeito, o racional, que é sinônimo da Idéia, adquire, ao entrar com asua realidade na existência exterior, uma riqueza infinita de formas, de aparênciase de manifestações, envolve-se, como as sementes, num caroço onde aconsciência primeiro se abriga mas que o conceito acaba por penetrar parasurpreender a pulsação interna e senti-Ia bater debaixo da aparência exterior. São infinitas as diversas situações que surgem nesta exterioridade durante a apariçãoda essência"

Minha mãezinha. Essa aparição deve ser quase um orgasmo.

Quer dizer que todas as imagens que tenho na cabeça, que eu pensei serem, e realmente são, IGUAIS às imagens que meus sentidos presenciaram, não são frutos destes, mas de algo além, que cria diretamente esse mundo que eu percebo, ou nas palavras do poeta Hegel, que pulsa internamente nas aparências da empíria, e que se manifesta à nós... Mas como? À algum de nós já se manifestou tal sublimição, tal espetáculo da essência?

Porque uma faculdade, que nasceu como consequência do desenvolvimento cerebral de certas espécies, e isto não inclui só o homem, e tem unicamente a finalidade de interação com o ambiente, seria responsável pelo surgimento deste? É a galinha nascendo antes do ovo?

A mim, parecem velhos perfumes em novos frascos...

sexta-feira, 2 de maio de 2008

O homunculus moderno

Em uma bela noite de lua cheia, um senhor de meia idade coberto por um manto dourado manipulava estranhos objetos em um porão escuro. Conhecido pelos amigos de birita por Celsinho, após uma gratificante estimulação bombeatória peniana, o que hoje chamamos masturbação, ejacula duas ou três penosas "lágrimas de um pinto apaixonado", pela alquimia neste caso, dentro de um frasco cilíndrico com tampa de rolha. Mas essa não era uma rolha qualquer... não senhor. Após a cuidadosa "tampagem", iniciava-se verdadeiro ritual que possibilitava um frasco erméticamente fechado, protegido pelo próprio Cerberus, que estava de folga no dia. Mas Celsinho, cujo verdadeiro nome era Paracelso, não se deu por satisfeito. Embrulhou o frasco cuidadosamente no que parecia ser esterco de vaca, e entoou o cântico dos Deuses, um mântra ensinado pelo próprio espírito de Merlim.


Tudo isto e mais um pouco foram necessários para a criação de um humano artificial, chamado por Celsinho de Homunculus. Mas o primogênito de Celsinho não estava sozinho no que tange à criação artificial de humanos pelas mãos dos homens, ou melhor, dos homens santos. Sim, eram necessários muitos anos de estudo e abdicação, tornar-se um verdadeiro homem santo, iniciado nas artes da alquimia para poder, obviamente, criar a vida, mesmo que imperfeita. Era necessário essa aproximação com Deus para tomar um pouquinho de seu poder. Mas como ia dizendo, homunculus não estava sozinho nessa. Seu ancestral mais próximo se chamava Golem, fruto do sêmen Judaico também criado em chocadeiras herméticas. Os Judeus iniciados na cabala tinham a permissão de criar vida artificial, muito embora suas crias não falassem, tinham grandes utilidades e se tornaram verdadeiros ajudantes de seus mestres cabalistas. Diz-se que mesmo Adão seria a primeira personificação desse Golem, também criado de barro, e que adquire características divinas em detrimento de sua natureza animal. Encontramos vestígios dessa tradição em filmes como Frankenstein e no anime japonês Fullmetal Alchemist, onde os alquimistas criam seus homunculus após uma tentativa falha de alquimia humana, ou seja, ressucitar alguém ou mesmo criar a vida.


Uma outra leva, considera que o objeto da alquimia não era bem o chumbo transformado em ouro, ou a matéria inanimada em vida, que isso seria mera fábula do verdadeiro objetivo hermético: A transformação da alma. A lapidação de uma alma bruta, selvagem, em uma pepita de ouro, e convenhamos, algumas instituições levam à sério essa lapidação. Forma-se hoje o perfeito homunculos moderno, por essas mesmas "ciências" que buscam a aproximação de Deus, e podem desfrutar do orgulho de se criar uma vida, totalmente diferente do que já existe, um ser dotado de um princípio metafísico, uma alma independente do corpo, tal que somente esses iniciados, aproximados de Deus, podem lhes transmitir seus mais profundos segredos.

Surge assim, depois de Golem e Homunculus, a terceira criação viva desses homens santos: Um perfeito homo-esotéricus, esculpido da carne bruta de um animal, em perfeita sintonia com o criador do universo. Esse ser já não possui mais suas características animais, a natureza mesmo é algo que não se encontra senão obscuramente, e deve ser "moderada", sufocada à todo o custo. Tudo o que lhes parece natural, meus caros homunculus, é o que nos afasta de Deus, devemos pois, anestesiar-mos, abdicarmos do que nos dá prazer, do que pode nos causar sofrimento, enfim, da vida. Só em um completo desapego dessas propriedades "mundanas" é que podemos nos aproximar da divindade, e tomarmos uma fração que seja, de seu infinito poder. Assim criaremos mais e mais Homunculus e Golens, dando continuidade à obra desses sábios homens santos. Que nos importa o que é natural, a própria vida, se temos o próprio criador dela nos ditando como devemos ser? Que nos importa que esse Ser transmita seus ensinamentos totalmente opostos à vida que ele próprio criou? Ou melhor, quem somos nós para questionar as ordens de Deus? Se seu desejo é criar uma nova raça de seres capazes de superar suas próprias leis, abdicando à vida para seguir a morte, quem somos nós para negar esse direito aos homens sábios de nos transformarem em seus ajudantes Gólens?

É chegada a nova era, meus caros humanóides. Tornai-vos pois, divinos, pois não há lugar para animais humanos, para a natureza, para a vida. É tempo de meditação, de abdicação, de desapego, de ascetismo. Mas acima de tudo, é tempo de nos aproximarmos de Deus, e tomarmos um pouquinho que seja de seu poder. Quem sabe assim entenderemos uma criação cheia de crueldade e sofrimento. Sim, nós somos os culpados, os Homunculus desgarrados que fugiram dos braços do Pai, revoltados com a paternidade contraditória e cruel que se deleita no sofrimento de suas figuras de barro, que se desmancham ao mais leve toque com a realidade. Ó Pai, livrai-nos dos homens sábios, que transformam o chumbo do corpo na pepita da alma, o sangue da natureza no barro de suas frustrações.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

A racionalidade animal

Nunca pensei que o perturbativo poodle, hóspede digamos, pouco sociável de minha nobre caverna, pudesse despertar alguma reflexão proveitosa, e fazer-me escrever sobre isto. A idéia que habita o senso comum nos diz que os pobres animaizinhos são irracionais, dando-nos o prestigiado primeiro lugar, e único por sinal, na escala de racionalidade, a capacidade de fazer abstrações, deduções, enfim, raciocinar. Mas uma descompromissada análise desse axioma pode nos trazer algumas dúvidas, e uma certa desconfiança.

Como não podemos citar todas as definições do conceito de racionalidade, bem como o motivo do porquê os animais não a possuem, fiquemos com Hume, que se enquadra relativamente à idéia geral do termo:

"É impossível que a inferência do animal possa basear-se em algum processo de argumentação ou raciocínio, pelo qual ele conclua que eventos semelhantes devem seguir-se a objectos semelhantes e que o curso da natureza será sempre regular nas suas operações."

Ao me deparar com este parágrafo, dei de cara com o dito cujo, o poodle batizado, ou melhor, batizada de Kim, que ao me ver na sala, dispara em direção ao quintal. Eu, possuidor da magnífica e exclusiva capacidade de raciocínio, deduzo que ela deixou um presente no chão do apartamento, daqueles com odor bem desagradável, e que pela graça de uma divindade qualquer, é limpada pela mulher da casa. Como eu já tinha observado a cadela nessa fuga alucinante, logo após realizar suas necessidades no chão da sala, concluí que a semelhante corrida deve ter sua origem em uma semelhante necessidade abandonada no assoalho. Já que, nas palavras de Hume, "eventos semelhantes devem seguir-se a objectos semelhantes e que o curso da natureza será sempre regular nas suas operações." Sendo assim a natureza foi como sempre, mais regular e constante que o gotejar de uma torneira quebrada.

Peguemos agora Kim, nossa ilustre protagonista, e a visemos como sujeito desse gracioso evento. Certa vez, a apetitosa (na opinião de alguns japoneses) cadelinha Kim, estando muito apertada, e tendo uma particular preferência pelo chão da sala à lage do pátio, alcançou o clímax de seu processo digestivo, culminando no que eu chamo formalmente de uma grande bosta preta. O macho supremo e dominante do território, que por sinal era eu mesmo, chegou nos últimos suspiros anaiscadélicos, e observando aquela marcação não autorizada de seu terreno, disparou uma das havaianas tamanho 45 direto na bunda da desafiante cadelinha, o que por sua vez ocasionou uma fuga desesperada daquele território já conquistado.

Passado esse dia e mais alguns, aquele animal dominante que aqui chamo de "eu", chega em casa do serviço cansado, e dá de cara com a cadelinha Kim, que tem suas patas traseiras levemente arqueadas, e se prepara para mais uma tentativa de marcação do território. Obviamente nesse momento eu bato a porta e digo: Ahaam! - mostrando toda aquela extensão da já conhecida havaianas 45, e fazendo o animal desafiante sair em disparada, ainda mais desesperada que da primeira vez, quando foi acometida pela fúria do seu dono e carrasco. E eis que me perguntava se a cadelinha, tendo me observado na porta com o chinelo na mão, deduziu que àquilo se seguiria uma chinelada, e disso, muita dor. Na cabeça da infeliz, digo, da cadelinha Kim, deve ter sido impresso, com a ajuda de uma pequena dose de dor, a noção de que suas necessidades, quando feitas na sala e vistas por aquele bípede enorme, ocasionam uma dolorosa chinelada na bunda, que pode ser evitada por uma ágil corrida até seu lugar de origem, à saber, os fundos. Ora, a necessidade dessa corrida, dessa fuga repentina, deve-se à dedução, por parte da cadela, "que eventos semelhantes - (cagar na sala) - devem seguir-se a objectos semelhantes - (chinelada na bunda) - e que o curso da natureza será sempre regular nas suas operações." - Não fosse justamente esse processo racional, esse "esperar regularidade da natureza", não haveria necessidade da fuga, pois não haveria a conclusão, por parte da cadela, que fazer suas necessidades no assoalho da sala, necessariamente se seguiria à chinelada do macho dominante, em outras palavras, que a natureza seja regular em suas operações.

Logicamente os animais não humanos possuem uma certa limitação desse raciocínio, e uma equação de segundo grau não resolvida por uma macaca, poderia ainda levantar a suspeita de que são irracionais, e que somos os únicos privilegiados com uma ferramenta tão comum à natureza animal. Além do que, diriam alguns, temos a dádiva da linguagem, que nunca poderia ser utilizada por um ser tão primata quanto um macaco, ou um poodle. Mas à essa argumentação, é bom lembrar alguns experimentos científicos, como o de Roger Fouts, descrito no livro "O parente mais próximo", onde a macaca Washoe aprende satisfatoriamente a linguagem dos sinais para surdo-mudos:

"Durante toda sua vida, Washoe dominaria mais de uma centena de signos com uma sintaxe bastante bem elaborada, sendo capaz de criar novos significados para as palavras, assim como produzir variações pessoais do modo de representar determinadas idéias." - Scielo

Isso tudo é instinto, diriam alguns, os animais não "sabem que sabem", fazem por fazer, ou antes, porque as circunstâncias lhes obrigam à agir de determinada maneira. Então continuemos com nossa corroboração científica, e vejamos a conclusão de uma pesquisa feita recentemente por Allison Foote e Jonathon Crystal, publicada no periódico Current Biology:

"ratos são capazes de metacognição - em outras palavras, eles são capazes de saber se sabem de alguma coisa. Essa capacidade, que também pode ser descrita como a habilidade de avaliar ou refletir sobre o estado da própria mente, antes só havia sido reconhecida em seres humanos e outros primatas." - Tecnocientista

Mesmo os neurônios, que podemos nos gabar de possuir aos montes, são encontrados também nos golfinhos, em uma quantidade 3 vezes maior do que em humanos, sem contar que os danados inclusive se conhecem pelo nome. Conclui-se daí que não pode existir sequer uma demarcação de inteligências, já que não há menos ou mais inteligentes, simplesmente diferentes. Nós desenvolvemos determinados raciocínios e processos necessários à nossa espécie e ao nosso ambiente, e o mesmo se dá com todos os animais. Muito provavelmente grande parte deles possuí operações de raciocínio bem mais complexas do que nós, e nem por isso deixam de ser taxados irracionais.

E acaso não podem-se levantar outras mil e uma questões que certificam essa distância entre o "ser humano" e o animal? Algo deve nos diferenciar desses imbecis que mijam e cagam no chão da sala, e o que é pior, não se limpam depois disso! E assim caminha a humanidade, fabricando um gênero humano, raças humanas, leis divinas e costumes morais, tudo em prol da superioridade, ou melhor, de afirmar-nos superiores, melhores, únicos, e o resto é o resto. São todos irracionais. Será mesmo?

O problema são as implicações que essa distinção abriga. Seria muito mais complicado do ponto de vista ético realizar experiências em animais sencientes e inteligentes, sem contar que até a coleira para cães assume feições maquiavélicas, se vistas nesse contexto. Nada pior do que a mudança de hábito, de conceitos e costumes para a pobre mente animal-humana, que estremece ao menor sinal de divergência das suas convicções.

Ao menos à qualquer momento, podemos mostrar toda a nossa superioridade aos infelizes bichanos, mesmo que não haja uma comunicação interespécies que nos possibilite isso, nada que a linguagem do chinelo não faça inteligível à esses racionais, ou quase, familiares nossos.

Mais aqui, aqui, aqui e aqui.

sábado, 12 de abril de 2008

Da filosofia esotérica

A linguagem por vezes nos proporciona o belíssimo privilégio de falar muito sem dizer nada. Conceitos que são tão vazios e obscuros, que o conhecimento ordinário não é capaz de entendê-lo, é preciso ser um iniciado, não, é preciso ser o próprio Hermes Trimegistro para concebê-los, e ao menos ter alguma idéia do que estão falando. Essa linguagem não está presente apenas nos textos religiosos, metafísicos e místicos; Ela transborda na maioria dos escritos "filosóficos", uma verdadeira fábrica desses conceitos esotéricos."Pedro, por exemplo, é algo real; a verda deira idéia de Pedro, porém, é sua essência objetiva e, em si, alguma coisa real e totalmente diversa do próprio Pedro." - SpinozaAssim se expressava Spinoza no seu Tratado de correção do intelecto, dando a oportunidade de usá-lo como exemplo. A "idéia de que a idéia" é algo real, palpável, e diversa do objeto que ela representa, é algo que vem desde Platão, o filósofo esotérico por exelência, que supôs que as idéias unicamente eram reais, e o mundo percebido, os objetos e suas características, assumiam o posto de representação do verdadeiro. Em suma, esta vida é como uma pintura do mundo real, dando margem inclusive para a conteporaneidade interpretar esse "lugar" como um mundo espiritual. O computador só existe por que, antes de ser criado, já existia "a idéia do computador", que possibilitou a sua contrução, ou melhor, a representação da idéia do computador. No auge da sua ortodoxia esotérica, o filósofo chegou à condenar a pintura, pois esta, segundo ele, era na verdade "a pintura da pintura", como um plágio herético da descrição humana do mundo real, o das idéias. Isso não é muito diferente do conceito de Spinoza, que chama essa idéia verdadeira de "essência objetiva". Ora, se a idéia é algo que construímos de acordo com a percepção que obtivemos, ela nunca será objetiva, sempre subjetiva, relativa ao sujeito que percebeu, e formulou essa idéia. Mas se não há um objeto, uma idéia verdadeira, uma essência que possa ser percebida, não há como descobrir a verdade, e tudo desemboca no relativismo radical, todos estão certos, e tudo vira um caos, dizem eles, e de fato, é necessário que "sintamos" essa realidade. Precisamos saber se estamos certos, precisamos saber a verdade, e essa obsessão nos leva à cunhar termos ocos, atribuindo essências inteligíveis aos objetos, e criando mundos supra-sensíveis, onde é possível perceber a verdade em toda a sua extensão. Mas esse caminho não é fácil. É necessário um específico método para se chegar a certeza, ou melhor, é necessário uma "correção do intelecto", para que possamos entender e conceber esses termos, e nos orgulhar de possuírmos a verdade, não apenas uma limitada visão sobre o que quer que seja. Eis que estamos iniciados e prontos para a investigação do mundo empírico, agora dotados da imparcial percepção de um intelecto corrigido, predisposto à localizar a verdade onde quer que ela esteja."Daí se vê que a certeza nada mais é que a própria essência objetiva, a saber, o modo como sentimos a essência formal é a própria certeza..." - Spinoza (TCI)E eis que podemos nos orgulhar de termos certeza, pois essa não passa de um mero reflexo de que conhecemos a verdade, que "sentimos a essência" diretamente do que quisemos conhecer. Não precisamos mais da dúvida, da investigação, dos sentidos, pois, para se ter essa certeza,"não precisamos de nenhum outro sinal senão ter uma idéia verdadeira", é tão simples, como não pensei nisso antes?Mas o título de mestre da filosofia esotérica, eu credito ao grandioso Kant. Não há ninguém que consiga com tamanha eficiência demonstrar a existência do inexistente. Seu conceito "a priori", é outra materialização dessas idéias verdadeiras, é algo que já está contido no intelecto antes mesmo de qualquer percepção, que inclusive adicionamos à essa percepção, e que denominamos (ou deveríamos denominar) conhecimento puro. Devemos aprender à separar esse conhecimento puro, à distinguir o que foi percebido empiricamente, do que foi adicionado pela conhecimento puro, nossa "faculdade transcendental". E novamente damos de cara com aquela iniciação, que sem os anos de aperfeiçoamento e o uso do método correto, não poderemos distinguí-los, e estaremos condenados à pensar que todo o nosso conhecimento é devido às impressões sensíveis. Oh vida, oh agonia!"...(Esse) aditamento,(...) não distinguimos senão mediante uma longa prática que nos habilite a separar estes dois elementos."Ao contrário de Platão e Spinoza, Kant aqui não atribui o conhecimento puro, ou os conceito à priori, à um mundo das idéias, o verdadeiro, mas sim à uma "faculdade transcendental", que em sí mesma conteria esses conceitos antes mesmo de qualquer dado empírico. Assim, segundo ele, tomando como exemplo evidente desta faculdade a matemática, 1+1=2 já seria préexistente antes mesmo de querermos representar o que vimos. Não criamos 1+1=2 para representar os objetos e lidar com as quantidades, nascemos com esta faculdade de "matematicar" e inteligir tudo o que nos afeta pelos sentidos.Ninguém, pelo menos por enquanto, sintetizou tanto a natureza dessa iniciação filosófica quanto o famoso racionalista Descartes. O método cartesiano ganhou grande admiração levantando uma verdadeira frota de seguidores. O que ficou implícito nos outros métodos, foi explicitamente descrito no método cartesiano. Era preciso livrar-se de toda a experiência sensível. Os conceitos errados só podem provir de percepções enganosas, devemos pois, jogá-los fora, e, sem estar na posse desses dados duvidosos, construir as verdades absolutas, indiscutíveis, a essência objetiva Spinoziana, o conhecimento puro Kantiano, o mundo das idéias de Platão. Mas será mesmo possível o simples descarte de toda a experiência sensível que obtivemos? Ou será que nos julgamos livres de sua influência quando estamos eternamente predispostos à moldar nossas percepções à essa experiência? Querermos nascer de novo não nos faz nascer de novo. O desejo de esquecer um desgosto ou uma vitória não é suficiente para destruir essa memória. Talvez até quanto mais pensamos em esquecer determinada experiência, mais estaremos nos lembrando dela.Se há um método mais eficaz de conhecer a realidade, esse é descrevendo os dados obtidos. Não podemos descrever uma realidade se esta não for justamente o que é: uma descrição. No momento em que atribuímos uma natureza extra-sensorial à qualquer objeto exposto à percepção, seja "a priori", uma alma, uma idéia verdadeira, uma essência objetiva, já estamos nos aproximando do erro, pois não há em que se apoiar para sustentar quaisquer conceitos. Não estaremos descrevendo a realidade, mas fabricando-a, uma que, por sinal, é bastante diversa daquela que é percebida. Não, acho que não é uma boa idéia. Toda essa iniciação, toda essa fabricação de conceitos ocos e esotéricos me faz pensar que estou descrevendo qualquer "país das maravilhas", e, tal como Alice, só volto nesse mundo se for tomando aquele cházinho esperto! Aqui nesse mundo aparente, onde volto à ser o profano de sempre, é melhor somente falar dessas percepções, ou corro o risco de ficar mais louco do que já sou.

Da filosofia esotérica

A linguagem por vezes nos proporciona o belíssimo privilégio de falar muito sem dizer nada. Conceitos que são tão vazios e obscuros, que o conhecimento ordinário não é capaz de entendê-lo, é preciso ser um iniciado, não, é preciso ser o próprio Hermes Trimegistro para concebê-los, e ao menos ter alguma idéia do que estão falando. Essa linguagem não está presente apenas nos textos religiosos, metafísicos e místicos; Ela transborda na maioria dos escritos "filosóficos", uma verdadeira fábrica desses conceitos esotéricos.

"Pedro, por exemplo, é algo real; a verda deira idéia de Pedro, porém, é sua essência objetiva e, em si, alguma coisa real e totalmente diversa do próprio Pedro." - Spinoza

Assim se expressava Spinoza no seu Tratado de correção do intelecto, dando a oportunidade de usá-lo como exemplo. A "idéia de que a idéia" é algo real, palpável, e diversa do objeto que ela representa, é algo que vem desde Platão, o filósofo esotérico por exelência, que supôs que as idéias unicamente eram reais, e o mundo percebido, os objetos e suas características, assumiam o posto de representação do verdadeiro. Em suma, esta vida é como uma pintura do mundo real, dando margem inclusive para a conteporaneidade interpretar esse "lugar" como um mundo espiritual. O computador só existe por que, antes de ser criado, já existia "a idéia do computador", que possibilitou a sua contrução, ou melhor, a representação da idéia do computador. No auge da sua ortodoxia esotérica, o filósofo chegou à condenar a pintura, pois esta, segundo ele, era na verdade "a pintura da pintura", como um plágio herético da descrição humana do mundo real, o das idéias. Isso não é muito diferente do conceito de Spinoza, que chama essa idéia verdadeira de "essência objetiva". Ora, se a idéia é algo que construímos de acordo com a percepção que obtivemos, ela nunca será objetiva, sempre subjetiva, relativa ao sujeito que percebeu, e formulou essa idéia.

Mas se não há um objeto, uma idéia verdadeira, uma essência que possa ser percebida, não há como descobrir a verdade, e tudo desemboca no relativismo radical, todos estão certos, e tudo vira um caos, dizem eles, e de fato, é necessário que "sintamos" essa realidade. Precisamos saber se estamos certos, precisamos saber a verdade, e essa obsessão nos leva à cunhar termos ocos, atribuindo essências inteligíveis aos objetos, e criando mundos supra-sensíveis, onde é possível perceber a verdade em toda a sua extensão. Mas esse caminho não é fácil. É necessário um específico método para se chegar a certeza, ou melhor, é necessário uma "correção do intelecto", para que possamos entender e conceber esses termos, e nos orgulhar de possuírmos a verdade, não apenas uma limitada visão sobre o que quer que seja. Eis que estamos iniciados e prontos para a investigação do mundo empírico, agora dotados da imparcial percepção de um intelecto corrigido, predisposto à localizar a verdade onde quer que ela esteja.

"Daí se vê que a certeza nada mais é que a própria essência objetiva, a saber, o modo como sentimos a essência formal é a própria certeza..." - Spinoza (TCI)

E eis que podemos nos orgulhar de termos certeza, pois essa não passa de um mero reflexo de que conhecemos a verdade, que "sentimos a essência" diretamente do que quisemos conhecer. Não precisamos mais da dúvida, da investigação, dos sentidos, pois, para se ter essa certeza,"não precisamos de nenhum outro sinal senão ter uma idéia verdadeira", é tão simples, como não pensei nisso antes?

Mas o título de mestre da filosofia esotérica, eu credito ao grandioso Kant. Não há ninguém que consiga com tamanha eficiência demonstrar a existência do inexistente. Seu conceito "a priori", é outra materialização dessas idéias verdadeiras, é algo que já está contido no intelecto antes mesmo de qualquer percepção, que inclusive adicionamos à essa percepção, e que denominamos (ou deveríamos denominar) conhecimento puro. Devemos aprender à separar esse conhecimento puro, à distinguir o que foi percebido empiricamente, do que foi adicionado pela conhecimento puro, nossa "faculdade transcendental". E novamente damos de cara com aquela iniciação, que sem os anos de aperfeiçoamento e o uso do método correto, não poderemos distinguí-los, e estaremos condenados à pensar que todo o nosso conhecimento é devido às impressões sensíveis. Oh vida, oh agonia!

"...(Esse) aditamento,(...) não distinguimos senão mediante uma longa prática que nos habilite a separar estes dois elementos."

Ao contrário de Platão e Spinoza, Kant aqui não atribui o conhecimento puro, ou os conceito à priori, à um mundo das idéias, o verdadeiro, mas sim à uma "faculdade transcendental", que em sí mesma conteria esses conceitos antes mesmo de qualquer dado empírico. Assim, segundo ele, tomando como exemplo evidente desta faculdade a matemática, 1+1=2 já seria préexistente antes mesmo de querermos representar o que vimos. Não criamos 1+1=2 para representar os objetos e lidar com as quantidades, nascemos com esta faculdade de "matematicar" e inteligir tudo o que nos afeta pelos sentidos.

Ninguém, pelo menos por enquanto, sintetizou tanto a natureza dessa iniciação filosófica quanto o famoso racionalista Descartes. O método cartesiano ganhou grande admiração levantando uma verdadeira frota de seguidores. O que ficou implícito nos outros métodos, foi explicitamente descrito no método cartesiano. Era preciso livrar-se de toda a experiência sensível. Os conceitos errados só podem provir de percepções enganosas, devemos pois, jogá-los fora, e, sem estar na posse desses dados duvidosos, construir as verdades absolutas, indiscutíveis, a essência objetiva Spinoziana, o conhecimento puro Kantiano, o mundo das idéias de Platão. Mas será mesmo possível o simples descarte de toda a experiência sensível que obtivemos? Ou será que nos julgamos livres de sua influência quando estamos eternamente predispostos à moldar nossas percepções à essa experiência? Querermos nascer de novo não nos faz nascer de novo. O desejo de esquecer um desgosto ou uma vitória não é suficiente para destruir essa memória. Talvez até quanto mais pensamos em esquecer determinada experiência, mais estaremos nos lembrando dela.Se há um método mais eficaz de conhecer a realidade, esse é descrevendo os dados obtidos. Não podemos descrever uma realidade se esta não for justamente o que é: uma descrição. No momento em que atribuímos uma natureza extra-sensorial à qualquer objeto exposto à percepção, seja "a priori", uma alma, uma idéia verdadeira, uma essência objetiva, já estamos nos aproximando do erro, pois não há em que se apoiar para sustentar quaisquer conceitos. Não estaremos descrevendo a realidade, mas fabricando-a, uma que, por sinal, é bastante diversa daquela que é percebida.

Não, acho que não é uma boa idéia. Toda essa iniciação, toda essa fabricação de conceitos ocos e esotéricos me faz pensar que estou descrevendo qualquer "país das maravilhas", e, tal como Alice, só volto nesse mundo se for tomando aquele cházinho esperto! Aqui nesse mundo aparente, onde volto à ser o profano de sempre, é melhor somente falar dessas percepções, se desejo tecer conceitos "verdadeiros", ou corro o risco de ficar mais louco do que já sou.

terça-feira, 8 de abril de 2008

A conveniente valoração moral

De onde tiramos os conceitos de bem e mau, de bom e ruim, que usamos de instrumento para valoração dos atos nossos e dos outros? Em "Genealogia da moral", Nietzsche contrapõe as idéias de Paul Rée, psicólogo inglês que vê a origem da moralidade nas ações egoístas e não egoístas, que se fixam na idéia de bom e ruim.

No intitulado "A origem das impressões morais", o Dr. Paul Rée expõe a teoria de que nossa moral é valorada por aqueles que foram afetados pela ação, aos quais a ação foi útil, de acordo com sua intenção egoísta ou não egoísta. Ações egoístas, necessariamente seriam classificadas como más, por aqueles atingidos, e ações desprovidas de egoísmo, tal como compaixão, caridade, sacrifício ou humildade, julgadas como boas, assim como seus agentes, julgados bons. E assim, a sociedade tem seus valores morais fixados por terceiros, o qual são afetados pelas ações à serem valoradas. Depois de algum tempo de associação com os termos bom e ruim, a moral passaria a ser "sentida", como um "valor em sí". Nas palavras de Paul Rée:

"as ações não egoístas foram louvadas e consideradas boas por aqueles aos quais eram feitas, aqueles aos quais eram úteis; mais tarde foi esquecida essa origem do louvor, e as ações não egoístas, pelo simples
fato de terem sido costumeiramente tidas como boas, foram também sentidas como boas - como se em si fossem algo bom."


Em contraposição a esta tese, Nietzsche diz que a moral tem sua origem na nobreza de espírito, nos superiores em posição e pensamento que valoram a sí mesmos como bons, e ao extremo oposto, o comum, o baixo, o vulgar, como ruim. Esse sentimento de "superioridade", essa noção da distância entre o privilegiado e o vulgar, é que dariam, segundo o filósofo, os direitos de valoração e nomeação do que seria bom e ruim, para o grupo todo.

"Desse pathos da distância é que eles tomaram para si o direito de criar valores, cunhar nomes para os valores: que lhes importava a utilidade!"

Segundo Nietzsche, é somente com o declínio dos valores aristocráticos, com a "moral de rebanho", que o conceito de egoísta e não egoísta se estabelesce como critério de valoração. A etimologia das palavras bom e ruim, é que dão sustentação a hipótese:

"O exemplo mais eloqüente (...) é o próprio termo alemão schlecht [ruim], o qual é idêntico a schlicht [simples] - confira-se schlechtweg,
schlechterdings [ambos "simplesmente"]. (...) έσθλς [bom, nobre], significa, segundo sua raiz, alguém que é, (...) verdadeiro; depois, numa mudança subjetiva, significa o verdadeiro enquanto veraz: nesta fase da transformação conceitual ela se torna lema e distintivo da nobreza, e assume inteiramente o sentido de "nobre".


Mas há um problema nessa tese. Como ficariam as nações essencialmente pobres, ou, tal como ocorre hoje, a valoração não ocorra por uma estirpe elevada, mas pela generalidade do grupo? Poderia-se julgar as mesmas ações que antes eram nobres, boas, como egoístas, e agora, ruins. Para Nietzsche, isso representa uma decadência, uma degradação do que a moral significava em sua origem. Mas é preciso ultrapassar Nietzsche. Se a moral se estabelesce segundo a vontade daqueles que a valoram, não é nada mais do que os conceitos de quem julga postos como referência para essa valoração. Sendo assim, é tão particular e variável quanto a individualidade das pessoas. E de fato, tomando como exemplo a frase "Um tempo bom", para um agricultor poderia ser de grandes chuvas, mas para um veranista seria de muito calor. Isso não faz do veranista ou do agricultor mais certos ou errados, nem de Nietzsche ou de Paul Rée mais ou menos prováveis, apenas divergentes. Palavras são palavras, e podem representar para um, algo diametralmente oposto ao que representa para outro.

"O latim malus (ao qual relaciono μέλας [negro]) poderia caracterizar
o homem comum como homem de pele escura, sobretudo como de cabelos negros ("hic niger est-"),4 como habitante pré-aria no do território da Itália, que através da cor se distinguia claramente da raça loura, ariana, dos conquistadores tornados senhores;"


Mas Nietzsche não pensa sobre a África, que dificilmente denominaria ruim, ou mal, algo que fosse completamente natural, quase absoluto em seu meio. Daremos um desconto já que a arquelogia não mostrava ainda a origem do homem naquele continente, e Nietzsche poderia pensar que seriam valores já incrustados pela moral já degenerada. Também a genética não tinha dado seus ares e mostrado "A inexistência das raças humanas", e que não há superioridade alguma nesse sentido.

Se nem a utilidade, nem valores egoístas e não egoístas, tampouco a nobreza, a superioridade física e intelectual, possuem autoridade absoluta na valoração dos costumes e atos, o que nos impulsa a valorar os atos de uma pessoa, e os nossos mesmos? Não é a conveniência pura, as necessidades e desejos mais imediatos que nos faz definir algo como bom ou mal? E não definimos isso senão com relação à nós mesmos? Há entre nós aqueles que se auto-definiriam maldosos, ruins, enquanto "aceitam" seus opostos como bons, dada uma suposta autoridade da nobreza? A não ser que o bom seja adimitir-se ruim, uma tal humildade que, por tabela, mesmo considerando-se ruim, seríamos no final das contas, bons. Tudo aquilo que nos é comum, que faríamos, que nos pertence ou que nos beneficia, é o que valoramos bom, enquanto aquilo que é de fora, o diferente, seja oposto ou não, é o ruim. A moral em comum, os chamados códigos de ética, são pura ilusão, uma valoração pessoal que sempre irá se diferenciar daqueles que não convivem nesses hábitos. Dentro do próprio grupo que contitui a ética, pode haver tanta discordância entre termos específicos, quanto entre códigos de ética distintos de grupos adversários.

Quanta bondade deve haver em declarar-nos bons? A necessidade de justificar nossos atos e o medo de confrontação dos mesmos, nos leva a criar essa ilusória moral, que verifica e atesta nossos atos como o bom em sí, e desaprova tudo o que não faríamos, o que não nos é próprio, carimbando-lhes uma marca que, esperamos, seja de desgraça e desgosto, onde será mal visto por todos de tal grupo, como o mal, o ruim, o bárbaro, o imoral.

O quão conveniente foi lhe criar, minha cara moral! Ainda era necessário torná-la divina, a palavra de Deus, para que reinasse em toda a sua extensão. Agora podemos dormir em paz, a tão sonhada paz de espírito! Será mesmo um bom estado para se viver? Ou para morrer?

sábado, 5 de abril de 2008

O que é nanotecnologia?

Fuçando nos vídeos do youtube, e procurando algo de informativo e científico, encontrei uma série de vídeos sobre o funcionamento e a produção da nanotecnologia. Em uma linguagem simples e direta, esse primeiro vídeo explica razoavelmente bem o que é a nanotecnologia, e faz uma breve introdução aos conceitos e consequências dessa relativamente nova área da ciência.



O vídeo possui continuação, e, para os interessados, vale a pena dar uma olhadinha.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

O excremento da moral

Mal havia acabado de escrever o post "Ontologia da loucura", e me deparei com um artigo do psiquiatra Victor Leonardo da Silva Chaves, que, perdoem o título e os termos, nada mais que asco e desprezo poderiam suscitar. O texto todo é um exelente exemplo de como não se deve argumentar, principalmente se o propósito for a desconstrução de qualquer ideologia.

Do começo ao fim, o texto não passa de uma associação completamente indevida com todo o tipo de movimento político esquerdista, bem como com tudo aquilo o que eles, os tão elevados moralistas, desprezam tanto e manifestam o tanto de sua estupidez. Logo de início, Chaves expõe um projeto de lei do deputado Paulo Delgado, que propunha a extinção de manicômios, e que, segundo ele, teve a aprovação do congresso anunciada pela "imprensa anarco-comunista", seja lá o que isso quer dizer.

"Há indícios de má-fé - continuou o psiquiatra - pois tal projeto fora aprovado em 1989, somente na Câmara Federal por voto de lideranças e derrotado no Senado Federal, seguido pelos substitutivos dos Senadores Lucídio Portela e Sebastião Rocha. Ambos modificaram substancialmente o projeto original. Esse último substitutivo é o que foi aprovado nas datas acima, tornando-se a Lei 10 216 de 06/04/01[D.O.U. 09/04/01]."

Sim amigos, há indícios de má-fé, mas o psiquiatra Chaves esqueceu-se de dizer quais são. E ele continua rotulando, como o rapaz do estoque de supermercado que cola a etiqueta de preços em todos os produtos da loja:

"Essa mistificação foi feita pela esquerda que domina os meios de comunicação, pois esse projeto é uma expressão política de uma doutrina de inspiração anarco-comunista, denominada de antipsiquiatria."

Como se o fato do nosso querido psiquiatra identificar os meios de comunicação com "a esquerda", e a doutrina da antipsiquiatria com o que ele chama de anarco-comunismo, fosse um sólido argumento contra os conceitos da "doutrina", que até agora Chaves sequer se dignou a expor. Mas eis que surge a definição do conceito:

"O termo antipsiquiatria passou a ser usado na década de sessenta para designar uma corrente doutrinária na área de saúde mental que tinha por característica principal contestar a validade da Ciência Médica para resolver os problemas de psiquiatria."

O problema é que a "doutrina" não tinha por característica "contestar a validade da Ciência Médica para resolver os problemas de psiquiatria, visto que não viam nessa "resolução de problemas" nada de ciência médica. Pelo contrário. A ciência médica, se dá pela constatação de desequilíbrios biológicos no ser, o que não podia ser efetivamente realizado na esfera "mental", ou psiquiátrica. Podemos sim definir como a contestação da ciência psiquiátrica, bem como a diferenciação entre esta e a ciência médica. Para terminar o brilhante parágrafo, Chaves anuncia:

"Antipsiquiatria é uma ideologia perniciosa, de inspiração anarquista."

Pronto. Pensam que acabou? Não. O Dr. Victor é dotado de exelente capacidade argumentativa, e a análise não para poraí. Depois de uma perfeita análise da filosofia de Nietzsche, como aquele que "faz apologia do nada" (seja lá oque ele queira dizer com isso), bem como as "doutrinas filosóficas" que influenciaram esse subjetivismo imoral, deparei-me com esta também brilhante concepção do movimento hippie, que obviamente está interligado à todos esses ataques à moral e aos bons costumes.

"Na esfera moral o mote foi “paz e amor”: com paz eles queriam dizer ociosidade; com amor, luxúria, devassidão dos costumes."

Perfeito. Que belo dicionário de conceitos não teríamos se o nosso querido psiquiatra Victor Chaves não escrevesse um novo aurélio filosófico. Esses, apesar de vocês não notarem, são grandiosos argumentos contra a corrente da antipsiquiatria, mas é necessária uma certa "intelectualidade" especial para percebê-lo. Por exemplo, citando também Foucaut como influenciador da doutrina, vemos uma excelente descontrução de seus argumentos:

"Esse indivíduo é suspeito, pois em 1948, tentou suicídio e foi internado em hospital psiquiátrico. Outro fato de conhecimento público e notório era o de que ele era pederasta e morreu de SIDA [AIDS] em 1984."

Sim, isso é tudo. Foucault era gay. Gay e aidético. E o pior de tudo, já tinha sido internado em um hospital psiquiátrico, não deve-se dar crédito à tais idéias imorais, que denigrem toda a moral dos povos civilizados. Logo no início, o site mostra que Victor é "licenciado" em filosofia. Ora Victor, mataste a aula de falácias, mas como tive a oportunidade de não ter um professor com tal desenvoltura argumentativa, exponho-lhe que ad hominem, é aquela famosa falácia de ataque pessoal, quando não temos argumento nenhum para contrapor às idéias de nossos adversários, e só nos resta uma única alternativa, calar-nos.

"Os apologistas da antipsiquiatria classificam esses argumentos de mesquinhez..."

Não victor, não se pode classificar como mesquinhez o que sequer é um argumento! Sua afecção pela homossexualidade alheia, bem como seu moralismo absoluto como prova de veracidade, se colocados na lista de "argumentos", torna impossível qualquer debate, qualquer discussão entre duas pessoas, tanto quanto não podemos contradizer as idéias de uma vaca. Agora vejamos o que o brilhante psiquiatra Chaves descreve como "consequências da antipsiquiatria":

"A Organização Mundial de Saúde retirou o diagnóstico de homossexualidade da categoria de perversão sexual da Classificação Internacional de Doenças..."

Meu Deus... quero dizer... seu Deus, o que ele diria disso? Ufa... ainda bem que não estamos mais na inquisição...

"No meio de saúde mental, já apareceram pervertidos que vêem com certa naturalidade a prática sexual entre seres humanos e animais. Políticos demagógicos ou degenerados defendem a legalização de casamento entre pervertidos sexuais e, o que é pior, isso já não choca mais as pessoas comuns."

Quer dizer, a antipsiquiatria gerou uma síndrome de tesão por animais, o que foi crucial para a aceitação dessa relação sexual. E o que pode ser pior do que "pervertidos sexuais", vulgo homossexuais, casando-se??? Isso não choca as pessoas comuns??? Não, senhor Victor Chaves, isso choca somente pessoas preconceituosas e ignorantes. E a lista de consequências não para poraí:

"Aparecem criminosos compulsivos, assassinos desvairados que metralham inocentes nas escolas, nos cinemas. Suicídios coletivos, liderados por um maníaco, tornam-se rotina."

Deus do céu, essa antipsiquiatria é mesmo o instrumento do demônio. E Chaves confirma esse fato, estabelescendo uma brilhante analogia entre o número da besta e a década de 60, que, segundo ele, foi a época de perversão dos valores morais que mais foi influenciada pela antipsiquiatria. Essa é a conclusão do artigo de Victor Chaves, Ex-psiquiatra do Quadro de Saúde da Aeronáutica, e que dispensa quaisquer comentários:

"Talvez haja até uma relação cabalística entre o número 666 e a década de 60. Seu número, 666 [Apocalipse 13:18], é uma série constituída pela repetição, três vezes, do algarismo “6”. A década de 60 [1961/1970] tem nove vezes o algarismo “6” repetido. Nove é o triplo de três. A década de 60 é o triplo da besta apocalíptica. Que os místicos da Nova Era [New Age] reflitam sobre isso."

Será que eu preciso tomar um passe?

domingo, 30 de março de 2008

Estereótipo da ciência

No conhecido "senso comum", habita o estereótipo de um cientista maluco, que toma por verdade absoluta o que sua observação lhe apresenta. Constantemente se apresenta o cientista como aquele dogmático doutrinador, intolerante com todo o tipo de pensamento religioso, ou que contradigam suas "evidências comprobatórias".

Muitos inclusive, creditam ao consenco científico da época, a condenação de pensadores divergentes, julgados como errados, e posteriormente hereges e blasfêmos pela igreja. Obviamente as ciências empíricas de antigamente, não possuiam a rigorisade metodológica presente nas pesquisas e teorias contemporâneas. O problema da demarcação científica só foi cogitado recentemente, tendo recebido um maior enfoque por Karl Popper, resultando no critério de falseabilidade. Antes disso, muito se utilizava o conceito de verificacionismo, da filosofia positivista, para testar se uma hipótese era de fato científica ou não.

Em termos leigos, uma hipótese, na conceituação verificacionista, é considerada científica quando mostra-se passível de verificação, de observação empírica. Teorias metafísicas, questões sobre Deuses e espíritos, já estariam excluídas da pesquisa científica à partir desse ponto, devido à impossibilidade de verificação, de dados físicos, observáveis. Waismann torna isso claro:

"Se não houver meio possível de determinar se um enunciado é verdadeiro, esse enunciado não terá significado algum..."

No entanto, esse método traz consigo um germe do dogma, a possibilidade de comprovação. A comprovação, é literalmente uma verdade. Um fato observado, imutável e absoluto. Se, com a verificação, a hipótese resultasse positiva, com os dados empíricos certificando a teoria, haveria uma afirmação de que a teoria estava correta, consequentemente deve-se abandonar esforços afim de novas constatações ou refutações, visto que já está "comprovado" tal eficiência. Essa atitude pode ser o maior atraso em qualquer campo científico. A história da ciência humana mostra o quanto a própria ciência evolui, justamente refutando, ou contrapondo teses ao que antes era tido como "conseso científico".

Outra objeção comum ao método positivista é a impossibilidade de verificação das leis da natureza. Essas leis são enunciados universais, corroborados por todas as experiências realizadas até hoje. Porém, sendo o enunciado universal, ele se refere à todos os objetos particulares existentes, e não somente aos testados e verificados empiricamente. A lei da gravitação de Newton, se refere à todas as partículas de matéria existentes no cosmo. Ora, é claramente impossível verificar todas as partículas existentes, o que torna também impossível , a verificação do enunciado de Newton.

Essas objeções fizeram com que o quesito positivista entrasse em desuso, e tornaram neceessária a adoção de outro conceito como demarcação das teorias científicas. Se não nos é possível verificar os enunciados universais em sua totalidade, somente a possibilidade de refutação, frente à algum futuro caso particular, poderia estabilizar a teoria como ela realmente é, uma hipótese, e com efeito, declará-la científica. Nessa sopa primordial de elementos é que surge o critério de Popper, a falseabilidade.

De início, "A lógica da pesquisa científica" Popperiana expõe o problema principal da ciência moderna, a indução. Mesmo sendo a principal, e melhor, ferramenta disponível ao raciocínio do homem, ela apresenta uma dificuldade básica para a afirmação de qualquer enunciado. Um determinado número de vezes que um evento aconteça, não é garantia nenhuma de que esse mesmo evento continuará acontecendo eternamente. Mesmo que, sempre que eu tenha jogado uma bola para o alto ela tenha voltado à terra, não quer dizer que isso sempre vai acontecer. O enunciado "Todas as bolas jogadas ao alto retornaram ao solo", não tem o mesmo significado de "As bolas retornam ao solo quando atiradas para cima", já que esta última afirma que o evento irá ocorrer sempre, indiscriminadamente. Nas palavras de Popper:

"...está longe de ser óbvio, de um ponto de vista lógico, haver justificativa no inferir enunciados universais de enunciados singulares, independentemente de quão numerosos sejam estes;"

Não havendo possibilidade de afirmar uma preposição válida somente pelo número de vezes que aconteceu, é necessário, para uma teoria ser considerada científica, ter possibilidade de refutação. Se a experiência sensível não tiver meios de falsear a hipótese avaliada, não se pode considerá-la científica, empírica, segundo Popper. Como exemplo, "Lula morrerá amanhã", pode perfeitamente ser considerada empírica, já que podemos observar o resultado, enquanto que "Lula possuí um chakra élfico no estômago" não pode. Porém há um ponto que Popper esquece, ou propositadamente não aborda em sua LPC, o fato de que, se não podemos afirmar que um evento ocorrerá eternamente, tampouco podemos afirmar que nunca ocorrerá, mesmo que nunca tenha ocorrido anteriormente. O fato de algum dado particular ter contradito o enunciado universal, não significa que as futuras observaçoes, não mais irão corroborar a tese. Afinal, se mesmo o maior número de casos não é suficiente para universalizar uma teoria, tampouco deveria ser suficiente para falseá-la.

De fato, a história mostra que os cientistas, mesmo em contato com casos particulares em desacordo com a teoria, continuaram a defendê-la, propondo geralmente, alguma mudança que eliminasse a porção teórica refutada no evento singular. E aqui entra a outra objeção à Popper, o fato de que as hipóteses não podem ser testadas isoladamente em um teste experimental, mas somente um conjunto de hipóteses. Quando um caso singular falsifica uma das hipóteses, significa que esta deve ser revista para entrar em concordância com o restante do conjunto, e não que deva-se falsear todo o conjunto teórico.

Ambas correntes, além de focarem-se na demarcação dos conceeitos científicos, são um esforço da comunidade acadêmica para a libertação desse estereótipo do cientista, que afirma suas convicções à Deus e o mundo, desafiando todos e disposto à morrer ou matar na fogueira por seus pensamentos. Um esforço de mostrar que nada do que escrevemos, percebemos ou deduzimos é uma verdade, mas uma limitada forma de sentir o mundo, que desemboca em uma limitada e tendencial opinião sobre o mesmo.

Se é da diversidade de opiniões que tomaremos nossas conclusões, então o principal é não tomarmos nenhuma delas como verdade, mas como pontos de referência, que devem ser testadas, eternamente, sem nunca serem consideradas verdadeiras ou falsas, simplesmente, prováveis e improváveis. Ciência nunca foi afirmação, mas observação e dedução. A ciência não julga nem condena, opina, e se faz réu. Cientistas não são condenados por cientistas, mas por convictos, domáticos, inspirados de Deus. A verdade, a tão esperada verdade, inalcançável aos meros mortais, é que faz-se inimiga da ciência e do conhecimento, e não as idéias contraditórias, que a sublimam, que a divinizam, que a constroem por inteiro. Viva aqueles que nos mostram que estamos errados, e viva aqueles que sabem que nunca estarão certos.

sábado, 29 de março de 2008

Condenada por bruxaria

Pois é caros humanóides, em pleno século XXI, temos mais um caso de condenação por bruxaria. A senhora, acusada de bruxaria e feitos sobre-naturais, é amarrada à uma árvore e espancada, antes de ser levada à sabe-se lá aonde. Que o vídeo fale por sí mesmo. Seja feita a vontade de Deus, pelas mãos dos homens.

quinta-feira, 27 de março de 2008

O Ser e a Memória

Eu me pergunto o quanto o Ser, aquele mesmo, metafísico, espiritual, que sobrevive após a morte, e vaga pelo mundo materialista até desapegar-se dos "bens mundanos", está relacionado com a memória. Terapeutas de vidas passadas (como se minha aversão à psiquiatria já não fosse suficiente), borbulham aos montes pelo nosso país, filho único do grandiosíssimo Kardec, que indagou a verdade diretamente ao espírito de Platão, Aristóteles, e outros que esqueceram de mencionar a doutrina nos seus escritos quando em vida. Para os não familiarizados com a terapia de vidas passadas, que devem ser poucos, aqui vai a definição mais abrangente e geral que encontrei:


"Retro-cognição, também conhecida como regressão de memória ou regressão a vidas passadas, é um fenómeno psíquico espontânea ou induzida no qual o indivíduo lembra espontaneamente de lugares, factos ou pessoas relativos a experiências de vidas passadas, sejam elas, vidas ou períodos entre-vidas." - Site Ponto de Luz


Ultimamente, com o avanço das neurociências, há uma grande quantidade de artígos científicos estabelescendo a relação entre o cérebro e a memória. Mais do que isso. Os cientistas já determinam que a memória de curta duração, proveniente dos fenômenos visuais e auditivos, são "impressas" ou organizadas no cortex frontal, e são chamadas memórias executivas, ou de trabalho. As memórias de longa duração, essas sim, que podem durar a vida toda, são divididas em implícita e explícita. A memória implícita é aquela que acessamos inconscientemente, quando realizamos ações rotineiras como amarrar um sapato ou andar de bicicleta. A segunda corresponde ao resto das informações diárias.


Essas memórias são essenciais não somente para recordações futuras desses eventos presenciados, mas para o nosso raciocínio em geral. Por exemplo. Na primeira vez que fui queimado em uma fogueira, o cérebro registra as informações visuais e auditivas, bem como a dor sentida no memento da queimadura. Em uma segunda vez, logo que visualizo a fogueira, me vem à mente a dor que é sentida quando entramos em contato com o fogo. Assim sendo, julgo que não se deve mais chegar perto da fogueira se não quiser virar churrasquinho. Todo esse raciocínio só foi possível por que o primeiro evento gerou impressões sensoriais armazenadas no cérebro. Essa ação posterior, bem como o raciocínio que levou à esta conclusão de não chegar perto do fogo, também será armazenada no cérebro, como vemos nesse artigo da EINA:


"...associamos todas essas informações sensoriais com as ações que decidimos tomar e memorizamos esses episódios em nossa memória retrospectiva (veja A Noção de Tempo). Essa síntese dos eventos sensoriais e das ações a eles relacionados, que definem nossos episódios de vida, são registrados por neurônios do hipocampo e áreas vizinhas (Figura 1)."




Em outras palavras, mais precisamente nas do neuropsiquiatra Claudio Guimarães da USP:

“Na hora de buscar uma informação, as características de um determinado objeto, por exemplo, vêm das diferentes áreas cerebrais e se sintetizam no córtex frontal...” - Artigo Istoé


De fato, sabe-se que uma lembrança nunca vem à tona sozinha, e, em uma espécie de reminescência socrática, mas desta vez observável e científica, as memórias que estão relacionadas normalmente se apresentam ao sujeito em conjunto, como a lembrança do fogo que traz consigo a lembrança da dor de ser queimado, ou da cor e do som do fogo crepitando. Das diferentes áreas da qual provém, estas impressões, segundo Guimarães, sintetizam-se em uma área específica do córtex frontal. É um processo cerebral, físico, do começo ao fim, e imaginar uma lembrança sem esse instrumento, o cérebro, é como falar sem boca, ou respirar sem pulmões.


Com isso em mente, retornam as mesmas perguntas de antes. Como é possível um "ser vivo após à morte", que conserva sua memória não só da "última vida", mas resgata informações que já deveriam estar decompostas juntamente com seus cérebros à milhares de anos? Como é possível uma consciência, um "ser transcendental" ou sejá lá que nome se dê para isso, se lembre mas não tenha memória?

Um artigo na revista Viva mente & cérebro de janeiro de 2006, mostra que nem sempre nossa memória está em conformidade com os fatos.


"Nossa memória não distingue as lembranças “verdadeiras” das “falsas”. São ocorrências complexas e contraditórias, que passam por reformulações sucessivas." - Notícia RedePsi


Segundo o psicólogo Hans Markowitsch, na mesma revista em outro artigo, muitas memórias são construídas pelas emoções e sentimentos, e seriam, segundo a pesquisa acima, exatamente como as lembranças reais para seus "autores", pela impossibilidade do cérebro diferenciar a verdadeira, da memória criada, seja consciente ou inconscientemente.


Confesso que me parece uma hipótese bem mais provável (a de uma memória criada por emoções e tomada por verdadeira), do que aquele ser que se lembra sem possuir mais a memória. Mas poderia se dizer que os grandes gênios, conscientes de sua morte próxima, recebem de seus guias espirituais um palm-top quântico-místico incorpóreo, capaz de transferir todos os dados diretamente do cérebro por indução de neurônios, através de uma avançada técnica de mentalização magnética. Infelizmente essa hipótese não pode ser testada por nós, meros mortais materialistas, então por enquanto, eu fico no aguardo de uma hipótese mais plausível.

Mais informações aqui, aqui e aqui.



domingo, 23 de março de 2008

Ontologia da Loucura

Receio ficar um pouco mais louco a cada dia. E confesso, tenho orgulho disso. Há muito que sinto náuseas só de ouvir palavras como normal, comum. O maior ultraje para nós, diferentes, é sermos forçados a mudar, em favor de um comportamento padrão, de uma moral comum.
Falo isso, para introduzir uma linha de pensamento idealizada por Ronald David Laing, que rejeita conceitos tradicionais como da "doença mental", da normalidade, inaugurando um movimento chamado hoje de antipsiquiatria. Com efeito, muitas objeções já haviam surgido, e ainda surgem, sobre a impossibilidade de detectação da doença psiquiátrica, devido ao fato de não se tratar de um desequilíbrio químico passível de observação médica, mas de simples "avaliação" psicológica, que, como tal, está sujeita à "opinião" do psiquiatra. Daí se concluí que, não havendo uma detecção da doença por instrumentos médicos, o que se dá então é a rotulação do paciente, tendo em vista o comportamento e as informações passadas por este. Sendo assim, essa rotulação, e o consequente "tratamento médico", estão condicionados à parcialidade das informações obtidas naquele momento da consulta, bem como à formação e opinião do médico sobre tais comportamentos.
Laing, que chama o paciente psiquiátrico de "divergente social", diz que este é julgado e punido por apresentar certo incômodo ao pensamento padrão, normal, comum à sociedade, à maioria. A tese de Lang, que tem por base a definição da esquizofrenia, diz que alucinações e delírios podem ser nada mais do que uma defesa do cérebro contra situações difíceis, sofridas, da vida do paciente.
Isso nos remete à história da lobotomia. Em meados de 1890, o cientista alemão Friederich Golz, realizou experimentos de ablação cirúrgica do neocortex em cães, e relatou que os animais ficavam mais dóceis do que o "normal" (olha ele aí denovo), quando removidos os lobos temporais.
Essa experiência foi o suficiente para inspirar o doutor Gottlieb Burkhardt, na época, diretor de um asilo mental na Suíça, à realizar o procedimento em seis de seus pacientes, diagnosticados como esquizofrênicos, e que ficavam agitados devido à alucinações, segundo Golz. Dois deles morreram, alguns ficaram mais calmos, não se podendo definir se por consequência da operação, e Golz começou à ser duramente criticado por seus colegas e sucessores.

"...na década dos 30s, vários laboratórios experimentais nos Estados Unidos fizeram várias descobertas impressionantes sobre o papel dos lobos frontais e temporais do cérebro no controle do comportamento emocional e agressividade. Na Universidade de Yale, em 1935, um cientista chamado Carlyle Jacobsen fez observações sobre o comportamento de chimpanzés após a destruição do córtex frontal e pré-frontal por meio de uma lobotomia. Um dos animais, que ficava muito agressivo em certas situações, ficou calmo e fácil de manejar depois da operação...". Quem relata o ocorrido é R. Sabbatini, que continua:
"Walter Freeman, compareceu ao mesmo congresso de Londres que Egas Moniz, e posteriormente leu seus resultados em uma publicação. Fascinado coma idéia e os resultados obtidos, ele se uniu a um neurocirurgião, James Watts, para aplicar a nova técnica a pacientes americanos. Eles operaram pela primeira vez em setembro de 1936. Após alguns casos, eles estavam convencidos que a leucotomia funcionava, e começaram a fazer uma intensa propaganda da mesma."

Bem, o fato é que Freeman era mesmo convincente. Tinha agora à seu favor a elite da psiquiatria convencida à duras penas, e a imprensa.
Mas Freeman estava insatisfeito com a grande duração e a complexidade da operação, que são os empecilhos básicos para o lucro fácil. Tendo em vista essa dificuldade, elaborou, em 1945 um novo procedimento, que consistia em abrir um acesso ao lobo prefrontal através da órbita do olho. O leucótomo, instrumento necessário para a cirurgia que necessitava trepanação, foi substituído por um quebra-gelo, literalmente, diminuindo um pouco mais a dificuldade da operação.
Punha-se o quebra-gelo na parte superior da órbita, e um martelo faria, docemente, o trabalho de atravessar pele, tecidos e ossos, em direção à normalidade.
"O procedimento era tão impressionante, no entanto, que mesmos neurocirurgiões veteranos não agüentavam observar, e alguns chegavam a desmaiar ao testemunhar a verdadeira "linha de produção" montada por Freeman em alguns hospitais."

Se em uma "época normal", a sociedade já produz muitos indivíduos diferentes, "loucos", imaginem por volta de 1940, em plena segunda guerra mundial, onde uma avalanche de "esquizofrênicos" era internada todos os dias. Em poucos anos, mais de 20.000 pacientes foram operados só nos Estado Unidos. No Brasil, a técnica foi utilizada durante vinte anos, tendo alcançado seu ápice depois dos resultados obtidos pela curiosa pesquisa ministrada pelos psiquiatras Edgard Pinto Cesar, Darcy M. Uchôa, Eduardo Guedes e outros. Curiosa, pois todos os pacientes operados eram mulheres, fato não justificado pelo autor da pesquisa.
"De acordo com Barreto (op. cit., p. 353), até aquele momento ele teria conseguido 24% de "remissões completas ou de melhoras muito nítidas". "Apenas" um paciente teria falecido...".
Nesse artigo, do doutorando em psicologia André Luis Masiero, entendemos o porquê da continuidade dos experimentos mesmo com a sua duvidosa eficácia:
"Nas estatísticas dificilmente eram contabilizados os casos "piorados", isto é, que ficaram com seqüelas irreversíveis, mesmo porque ninguém se interessava por métodos de avaliação psicológica mais eficientes que a simples e rápida observação diária."

Além disso, sempre se acrescentava, à cada experimento novo, um ou dois detalhes técnicos com o intuito de aumentar a efetividade, e assim podia-se ministrando mais e mais lobotomias com a justificativa de um "método ainda incompleto". Para a história detalhada, continuar lendo o artigo, ou a página de R. Sabbatini.

Enfim, o fato é que as divergências entre os métodos psiquiátricos e o movimento chamado antipsiquiatria perduram até hoje.
Na crítica de Foucault, a psiquiatria assume um outro papel, onde o psiquiatra nos diz:

"Sabemos sobre a sua doença e sua singularidade coisas suficientes, das quais você nem sequer desconfia, para reconhecer que se trata de uma doença; mas desta doença conhecemos o bastante para saber que você não pode exercer sobre ela e em relação a ela nenhum direito. Sua loucura, nossa ciência permite que a chamemos doença e daí em diante, nós médicos estamos qualificados para intervir e diagnosticar uma loucura que lhe impede de ser um doente como os outros: você será
então um doente mental".

Esse seria o jogo de poder, a autoridade que a psiquiatria exerce sobre o paciente, que, em microfísica do poder, Foucault descreve detalhadamente, e, de cara, define a antipsiquiatria fechando esse post com chave de ouro:

"Este jogo de uma relação de poder que dá origem a um conhecimento
que, por sua vez, funda os direitos deste poder, caracteriza a psiquiatria "clássica". E este círculo que a anti−psiquiatria pretende desfazer, dando ao indivíduo a tarefa e o direito de realizar sua loucura levando−a até o fim numa experiência em que os outros podem contribuir, porém jamais em nome de um poder que lhes seria conferido por sua razão ou normalidade; mas sim destacando as condutas, os sofrimentos, os desejos de estatuto médico que lhes tinham sido conferidos, libertando−os de um diagnóstico e de uma sintomatologia que não tinham apenas valor classificatório, mas de decisão e de decreto, invalidando enfim a grande retranscrição da loucura em doença mental."


Um viva à todos os loucos, e um brinde ao desprezo pela "normalização", pelo senso comum e pela psiquiatria.



sexta-feira, 21 de março de 2008

Má formação congênita

Eis aqui, para os sádicos, satânicos, loucos e incompreendidos, uma avalanche de fotos de animais que bem poderiam servir de vilões em algum desenho japonês, mas são fruto da conhecida má formação congênita. Estes primeiros encontrei no Mundo gump.


Vejamos então algumas formosuras:


Sim amigo. Eles são verdadeiros. E sim, aquilo é uma cabeça.
Achei também o gatinho dos X-man:


E seus irmãos Gêmeos:


Não vale rir pessoal. Isso é triste!

Bem... Como nenhum animal está livre dessa má formação congênita, aqui vai fotos da menina, ou das meninas, recentemente promovida à encarnação de Deusa, que nasceu no norte da Índia:


Para quem ainda não está satisfeito, aqui tem um prato cheio, fotos e dados técnicos de felinos, mas em ingês.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Das (in)existentes raças humanas

Muitos projetos políticos possuem um problema sério na sua fundamentação. As cotas para universidades, os projetos de igualdade racial, se baseiam no conceito de que raças humanas são definidas genéticamente, mas científicamente, e consequentemente na prática, essa definição é feita a partir do fenótipo, ou seja, da aparência do "avaliado", que por sua vez é definida pela interação do genótipo com o meio ambiente em que se desenvolveu. Como consequência disso, surgem divergências, tais como os irmãos gêmeos que foram avaliados separadamente para o sistema de cotas de uma universidade, e um foi rotulado como branco, ou caucasiano, e o outro negro, sendo os dois completamente idênticos.


Logicamente, esse deve ser método de julgamento":
O aspirante à vaga se dirige à secretaria, a moça pede para o garoto se posicionar em frente a janelinha, compara a cor do candidato com uma tabelinha de cores das tintas Renner na parede, e pronto, o estudante sai dalí com uma nova "raça" carimbada no formulário de cadastro.

Em 2008, foi publicada uma pesquisa científica do qual participaram 5 cientistas, que avaliaram mais de 8 mil amostras genéticas, colhidas aleatoriamente pelo mundo. A conclusão, nas palavras de Alan Templeton, biólogo que dirigiu a pesquisa, foi de que "as diferenças genéticas entre grupos das mais distintas etnias são insignificantes".
Por ironia do destino, ou não, o estalo de Templeton de que as "raças" estão bem longe de ser um conceito definido cientificamente, se deu no Brasil, quando, nas suas palavras:
"Em minha primeira visita ao Brasil em 1976, eu descobri que a classificação racial usada pelos brasileiros não era a mesma usada nos Estados Unidos; que a mesma pessoa poderia ser classificada de forma bem diferente em dois países. Aquela experiência me ensinou então que o conceito de raça não é necessariamente biológico."
Na pesquisa, as maiores diferenças no código genético se deram entre indivíduos de uma mesma etnia. Bem, no final das contas, talvez a moça que tivesse avaliado os irmãos gêmeos na universidade estivesse certa, e a avaliação consistisse em um avançado teste de genes do candidato, mais avançado do que a própria ciência. Nada descarta também uma possível intuição feminina.

O conceito de raça, dos cães por exemplo, foi definido unicamente pela vontade do ser humano de separar um determinado grupo, isolando-o e cruzando-o somente com os do mesmo grupo. Esse grupo então, após longos anos de separação dos outros fenótipos, acaba desenvolvendo uma diferenciação nos genes, que não estavam presentes quando da primeira aparição da espécie. O mesmo, acredita-se, dá-se com humanos. As pesquisas atuais apontam para uma origem única do ser humanos, a saber, a África, de onde teriam migrado para os outros continentes, para só então, permanecerem um tempo isolados uns dos outros, formando dois grupos distintos, com a aparência diferenciando-se unicamente pela ação do meio ambiente, ou melhor, pela interação do indivíduo com o habitat em que se encontravam.

"Mas nenhum grupo humano foi sujeito a estas condições de isolamento. De facto, todos os dados científicos mostram que temos um ancestral comum em África e que desde sempre o constante movimento e a consequente troca de bens, informação cultural e genética impedem que se gerem grupos humanos isolados. É sabido que basta haver migração de poucos indivíduos em cada geração para homogeneizar potenciais diferenças genéticas entre grupos."
http://www.comunicar-ciencia.org/website/index.php?option=com_content&task=view&id=72

É uma lástima para nós, brasileiros, sabermos que um conceito político "emergido" em meados do século 18, que tinha como único objetivo justificar e hierarquizar o domínio da recém surgida "burguesia" européia sobre as "raças inferiores", ainda esteja em uso na política Brasileira. A entrevista da querida Matilde Ribeiro, deixa bem claro o espírito de tais leis, e a que tipo de pensamentos podem levar:
"não é racismo quando um negro se insurge contra um branco".

Investir na educação básica de todos, para chegarem à universidade por seus próprios méritos e em iguais condições, não para quem tem a pele mais escura, mas para quem possui menos condições financeiras, é complicado, demanda tempo, e muito dinheiro.
Colocando "à força" uma determinada parte da população na faculdade é rápido, fácil, custa pouco, e de cara, ganhamos muitos votos para uma futura candidatura!

Pelo banimento desse termo da comunidade científica, aqui vai o final do artigo de Sérgio D. J. Pena - docente do departamento de bioquímica e imunologia da UFMG:

"Assim, a única maneira de lidar eticamente com a variabilidade genética dos brasileiros é individualmente, como seres humanos únicos e singulares nos seus genomas mosaicos e nas suas histórias de vida. Do ponto de vista médico, esta conscientização nos leva a propor que o conceito de raça deveria ser banido da medicina brasileira e que a palavra raça deve ser eliminada dos nossos prontuários clínicos."

Sérgio D. J. Pena - docente do departamento de bioquímica e imunologia da UFMG.

sexta-feira, 14 de março de 2008

A Verdade


Afinal, o que tomamos por verdade? Entende-se normalmente por verdade, a conformidade de um determinado conceito com seu respectivo objeto. Mas é aí que reside o problema central não só do verdadeiro e do falso, do real e do irreal, mas de toda a discórdia entre a humanidade. Isso é consequência direta de nossa individualidade, seja chamada de ser, ente, consciencia ou espírito. Prevista pela relatividade geral de Einstein, a noção de que dois ponto de referência obterão dados diferentes sobre um mesmo objeto é clara, em certos aspectos.A pergunta é: Quem será o juíz que determinará qual destas visões possui conformidade com os fatos em sí? O que usamos como intermédio para verificar a procedência dos conceitos expressos por uma percepção pessoal, e definí-las como falsas ou verdadeiras? Desde muito tem se usado instrumentos que inflam o peito de quem os usa, e que podemos chamá-los autoridade. A autoridade pode ser exercida nesses casos pela razão, onde confia-se na chamada lógica, constante em métodos filosóficos e no método científico. Pode também ser proveniente de livros sagrados ou religiosos, que arrogam-se inspirados por Deus ou por "espíritos" superiores. Mas "a verdade" é que, em primeira e em úlltima instância, não temos aí mais do que percepções pessoais confirmando percepções pessoais. É raro, senão impossível encontrarmos dois seres humanos concordantes em todos os seus conceitos, salvo pelas situações em que um deles é chamado "seguidor", e o outro, mestre. Daí fica fácil descobrir a verdade, basta termos ouvidos, e escutá-la. Mas para nós (eu), espíritos inferiores, não inspirados por Deus, não possuidores de poderes extra-sensoriais, e cheios de dúvidas, não passamos de desgraçados melancólicos, não sabemos sobre o que falamos, não conhecemos a verdade, e nunca teremos nada nem ninguém que nos diga se nossa percepção é exatamente como o objeto em sí.

Daí a importância de se ter inimigos, como dizia Nietzsche, não para extermina-los, ou para dizer-lhes: "Estão errados! "Mas para confrontar a cada dia nossas idéias, a fim de obter a visão mais abrangente possível sobre os fatos e objetos. Ilustra-se fácil essa posição com a imagem de um quadrado de cores diferentes em cada lado. Joãozinho, estando à minha direita diz que o quadrado é vermelho, mas Adão, prostado ao esquerdo diz que é azul, enquanto Marcola que está à frente diz que é rosa. Eu, cansado de dizer que o quadrado é na verdade branco, paro um pouco de me deter somente em meu campo de visão, e pergunto aos outros o que veem. O resultado não pode ser outro senão a minha opinião de que o quadrado possui 4 cores diferentes em cada um dos quatro lados.Será uma visão mais aberta e detalhada, mas ainda sim uma das, ou até mesmo as 4 percepções estejam enganadas, ou que tenham mentido, ou que Deus tenha dito a um deles que está certo, e tenha mudado as cores do outro lado para confundir seus "inimigos". Mas no fundo, será sempre a minha visão sobre o quadrado, mesmo que impregnada dos conceitos formados por visões de outrem, seremos, ou serei, sempre este desgraçado melancólico, lutando por mostrar a coerência, a conformidade de minha observação com o objeto, sabendo que nunca encontrarei alguém que tenha a mesma perceepção que eu, e espalhando aos quatro ventos a cor do quadrado que enxergo. Ah se o quadrado falasse...

quarta-feira, 12 de março de 2008

Homeopatia

Antes de mais nada, façamos aqui um breve resumo de como surgiu, e no que consiste essa pequena grande "medicina" chamada homeopatia.
O termo foi cunhado do grego homoios, semelhante, mais pathos, doença, por Christian Friedrich Samuel Hahnemann, e forma o grande axioma dos homeopatas, cuja fórmula é "similia similibus curantur", similares curam-se com similares.
A técnica consiste em fornecer uma quantidade ínfima de um produto que cause os mesmos sintomas detectados na doença do paciente. Essa quantidade provém do próprio medicamento, esse testado clinicamente, diluído inúmeras vezes até o ponto em que nenhuma molécula do medicamento se faça presente. É como diluírmos uma gota de neosaldina em um balde de água, desse balde retirarmos outra gota, que será diluída em outro balde, e repetirmos o procedimento 30, 40, ou até 50 vezes, tomarmos uma colher de chá dessa pura água, e acreditarmos que nossa dor de cabeça será completamente curada. Abaixo, um artigo do físico Robert L. Park descrevendo essa diluição:

"Em um sem número de medicamentos homeopáticos, por exemplo, a diluição de 30X é basicamente o padrão. A notação 30X significa que a substância foi diluída em uma parte em dez e agitada e o processo, então, repetido seqüencialmente trinta vezes. A diluição final é de uma parte de medicamento em 1.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 partes de água. Isso está além do limite de diluição. Para ser exato, em uma diluição de 30X seria necessário se beber 7.874 galões [30 m³ ou 30.000 litros] da solução para se esperar encontrar apenas uma única molécula de medicamento. Comparado a muitas preparações homeopáticas, mesmo 30X é concentrado. Oscillococcinum, o remédio homeopático padrão para a gripe, é produzido a partir de fígado de pato, mas o seu uso generalizado na Homeopatia cria pouco risco à população de patos — a diluição padrões é de estonteantes 200C. O C significa que o extrato é diluído em uma parte em cem e agitado, repetindo-se duas centenas de vezes. Isso resultaria em uma diluição de uma molécula de extrato para cada 10400 moléculas de água — isto é, 1 seguido de 400 zeros. Mas há apenas 1080 (1 seguido de 80 zeros) átomos em todo o universo. A diluição de 200C está muito, muito além do limite de diluição de todo o universo visível!"


Logicamente o efeito placebo entra em ação nesse momento, como que o super-homem surgido do Clark Kent homeopático, e traz algum alento ao nauseabundo paciente. E é aí que entra a real filosofia homeopata. Atribui-se ao medicamento agora completamente diluído, que pode não passar de pura farinha ou água, uma essência, uma "informação energética" que mesmo com a destruição dos seus componentes físicos, leia-se moléculas, permanece imaculada no diluente, contendo todos os princípios terapêuticos do próprio medicamento. A procura por termos mais científicos resultou em nada, visto que os "fatos" não são observáveis, e nada pode surgir daí senão uma linguagem metafísica, esotérica, inteligível talvez, para uma pequena parte privilegiada de seres, obviamente dotada de alguma percecpção extra-sensorial ou faculdade transcendental da razão. Essa dificuldade em observar resultados eficazes em laboratório, é causa do número cada vez maior de adeptos com conceitos cada vez mais abrangentes e dos mais diversos possíveis, a fim de corroborar uma teoria cansativamente falseada. um exemplo disso podemos encontrar em um site dedicado à "informações médicas":

"Utilizando remédios naturais destinados a aumentar as capacidades curativas que o organismo possui, a Homeopatia trata a pessoa dentro da sua globalidade."

No início, um novo conceito homeopata, que diz-se aumentar as funcionalidades curativas do próprio paciente. Logo após, mais conceitos espiritualistas, que em verdade, nada querem dizer. A literatura homeopata está repleta destes termos, já que o método científico, e a mera observação sensível não são suficientes para fazer-se notar a eficácia do método homeopático.
Dito isso, passamos agora às marteladas científicas. Muitos testes têm se feito para comprovar ou desmistificar a homeopatia. E claramente não obtemos nenhum resultado que corrobore a hipótese de que as propriedades terapêuticas sobrevivam às seguidas diluições e consequente destruição das moléculas do medicamento. Houveram pesquisas pequenas e pouco significativas devido à não rigorosidade dos testes, que observaram algumas melhoras nos pacientes usuários de remédios homeopáticos. Essa pesquisa ilustra a metodologia citada:

"No momento, a evidência resultante de estudos clínicos é positiva, mas não suficiente para se chegar a conclusões definitivas porque a maioria dos estudos tem baixa qualidade metodológica e por causa do papel desconhecido da falta de imparcialidade nas publicações."
Kleijnen, J., Knipschild, P. and ter Riet, G. Clinical trials of homeopathy. BMJ 1991; 302: 316-323. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/1825800?dopt=Abstract

Assim, sempre que se faziam testes mais abrangentes e rigorosos, o resultado não apresentava mais eficácia que o placebo.
A revista científica The Lancet publicou em 2005 um artigo em que uma pesquisa analisa 110 estudos sobre a eficácia dos medicamentos homeopáticos, e tem como resultado:

"Estudos maiores e melhores da homeopatia não mostram a diferença entre seus efeitos e os efeitos de placebos, enquanto que no caso dos remédios tradicionais, ainda observamos efeitos".
Quem fala aqui é o professor Matthias Egger, da Universidade de Berne. http://noticias.uol.com.br/bbc/2005/08/26/ult2363u4190.jhtm

Egger sugere que paremos com o financiamento de pesquisas com remédios homeopáticos, visto que são mais de décadas de pesquisas que não obtiveram nenhum resultado convincente para a comunidade científica. Não são poucos os estados que já não aderem mais aos medicamentos homeopáticos. Como citado no artigo a seguir, tomado como exemplo:

"Uma autoridade de saúde de Londres decidiu parar de pagar tratamentos homeopáticos em virtude da falta de evidências que justifiquem seu uso."

Wise, J. Health authority stops buying homoeopathy. British Medical Journal 314:1574,1997 http://www.bmj.com/cgi/content/full/314/7094/1569/i

Infelizmente para nós, brasileiros, a homeopatia é reconhecida como medicina, e vendida como comprovada cientificamente. Mas sempre há aqueles que não procuram "O segredo" por trás das aparências, graças ao bom senso, e ao senso de vida. Afinal, a única e real vida é esta, e, pelo menos eu, não espero nada melhor do que a terra, ou o mar, no final de tudo. Vale então deixar um pouco de procurar, e apenas contemplar. Poucos são os dados, mas abandoná-los seria voltar a estaca zero. Infelizmente também, nas palavras de Luis Fernando Veríssimo:

"A vida é a arte de tirar conclusões suficientes de dados insuficientes".