domingo, 30 de março de 2008

Estereótipo da ciência

No conhecido "senso comum", habita o estereótipo de um cientista maluco, que toma por verdade absoluta o que sua observação lhe apresenta. Constantemente se apresenta o cientista como aquele dogmático doutrinador, intolerante com todo o tipo de pensamento religioso, ou que contradigam suas "evidências comprobatórias".

Muitos inclusive, creditam ao consenco científico da época, a condenação de pensadores divergentes, julgados como errados, e posteriormente hereges e blasfêmos pela igreja. Obviamente as ciências empíricas de antigamente, não possuiam a rigorisade metodológica presente nas pesquisas e teorias contemporâneas. O problema da demarcação científica só foi cogitado recentemente, tendo recebido um maior enfoque por Karl Popper, resultando no critério de falseabilidade. Antes disso, muito se utilizava o conceito de verificacionismo, da filosofia positivista, para testar se uma hipótese era de fato científica ou não.

Em termos leigos, uma hipótese, na conceituação verificacionista, é considerada científica quando mostra-se passível de verificação, de observação empírica. Teorias metafísicas, questões sobre Deuses e espíritos, já estariam excluídas da pesquisa científica à partir desse ponto, devido à impossibilidade de verificação, de dados físicos, observáveis. Waismann torna isso claro:

"Se não houver meio possível de determinar se um enunciado é verdadeiro, esse enunciado não terá significado algum..."

No entanto, esse método traz consigo um germe do dogma, a possibilidade de comprovação. A comprovação, é literalmente uma verdade. Um fato observado, imutável e absoluto. Se, com a verificação, a hipótese resultasse positiva, com os dados empíricos certificando a teoria, haveria uma afirmação de que a teoria estava correta, consequentemente deve-se abandonar esforços afim de novas constatações ou refutações, visto que já está "comprovado" tal eficiência. Essa atitude pode ser o maior atraso em qualquer campo científico. A história da ciência humana mostra o quanto a própria ciência evolui, justamente refutando, ou contrapondo teses ao que antes era tido como "conseso científico".

Outra objeção comum ao método positivista é a impossibilidade de verificação das leis da natureza. Essas leis são enunciados universais, corroborados por todas as experiências realizadas até hoje. Porém, sendo o enunciado universal, ele se refere à todos os objetos particulares existentes, e não somente aos testados e verificados empiricamente. A lei da gravitação de Newton, se refere à todas as partículas de matéria existentes no cosmo. Ora, é claramente impossível verificar todas as partículas existentes, o que torna também impossível , a verificação do enunciado de Newton.

Essas objeções fizeram com que o quesito positivista entrasse em desuso, e tornaram neceessária a adoção de outro conceito como demarcação das teorias científicas. Se não nos é possível verificar os enunciados universais em sua totalidade, somente a possibilidade de refutação, frente à algum futuro caso particular, poderia estabilizar a teoria como ela realmente é, uma hipótese, e com efeito, declará-la científica. Nessa sopa primordial de elementos é que surge o critério de Popper, a falseabilidade.

De início, "A lógica da pesquisa científica" Popperiana expõe o problema principal da ciência moderna, a indução. Mesmo sendo a principal, e melhor, ferramenta disponível ao raciocínio do homem, ela apresenta uma dificuldade básica para a afirmação de qualquer enunciado. Um determinado número de vezes que um evento aconteça, não é garantia nenhuma de que esse mesmo evento continuará acontecendo eternamente. Mesmo que, sempre que eu tenha jogado uma bola para o alto ela tenha voltado à terra, não quer dizer que isso sempre vai acontecer. O enunciado "Todas as bolas jogadas ao alto retornaram ao solo", não tem o mesmo significado de "As bolas retornam ao solo quando atiradas para cima", já que esta última afirma que o evento irá ocorrer sempre, indiscriminadamente. Nas palavras de Popper:

"...está longe de ser óbvio, de um ponto de vista lógico, haver justificativa no inferir enunciados universais de enunciados singulares, independentemente de quão numerosos sejam estes;"

Não havendo possibilidade de afirmar uma preposição válida somente pelo número de vezes que aconteceu, é necessário, para uma teoria ser considerada científica, ter possibilidade de refutação. Se a experiência sensível não tiver meios de falsear a hipótese avaliada, não se pode considerá-la científica, empírica, segundo Popper. Como exemplo, "Lula morrerá amanhã", pode perfeitamente ser considerada empírica, já que podemos observar o resultado, enquanto que "Lula possuí um chakra élfico no estômago" não pode. Porém há um ponto que Popper esquece, ou propositadamente não aborda em sua LPC, o fato de que, se não podemos afirmar que um evento ocorrerá eternamente, tampouco podemos afirmar que nunca ocorrerá, mesmo que nunca tenha ocorrido anteriormente. O fato de algum dado particular ter contradito o enunciado universal, não significa que as futuras observaçoes, não mais irão corroborar a tese. Afinal, se mesmo o maior número de casos não é suficiente para universalizar uma teoria, tampouco deveria ser suficiente para falseá-la.

De fato, a história mostra que os cientistas, mesmo em contato com casos particulares em desacordo com a teoria, continuaram a defendê-la, propondo geralmente, alguma mudança que eliminasse a porção teórica refutada no evento singular. E aqui entra a outra objeção à Popper, o fato de que as hipóteses não podem ser testadas isoladamente em um teste experimental, mas somente um conjunto de hipóteses. Quando um caso singular falsifica uma das hipóteses, significa que esta deve ser revista para entrar em concordância com o restante do conjunto, e não que deva-se falsear todo o conjunto teórico.

Ambas correntes, além de focarem-se na demarcação dos conceeitos científicos, são um esforço da comunidade acadêmica para a libertação desse estereótipo do cientista, que afirma suas convicções à Deus e o mundo, desafiando todos e disposto à morrer ou matar na fogueira por seus pensamentos. Um esforço de mostrar que nada do que escrevemos, percebemos ou deduzimos é uma verdade, mas uma limitada forma de sentir o mundo, que desemboca em uma limitada e tendencial opinião sobre o mesmo.

Se é da diversidade de opiniões que tomaremos nossas conclusões, então o principal é não tomarmos nenhuma delas como verdade, mas como pontos de referência, que devem ser testadas, eternamente, sem nunca serem consideradas verdadeiras ou falsas, simplesmente, prováveis e improváveis. Ciência nunca foi afirmação, mas observação e dedução. A ciência não julga nem condena, opina, e se faz réu. Cientistas não são condenados por cientistas, mas por convictos, domáticos, inspirados de Deus. A verdade, a tão esperada verdade, inalcançável aos meros mortais, é que faz-se inimiga da ciência e do conhecimento, e não as idéias contraditórias, que a sublimam, que a divinizam, que a constroem por inteiro. Viva aqueles que nos mostram que estamos errados, e viva aqueles que sabem que nunca estarão certos.

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