quarta-feira, 14 de maio de 2008

Velhos perfumes em novos frascos - O racional de Hegel

"O que é racional é real e o que é real é racionalEsta é a convicção de toda consciência livre de preconceitos e dela parte afilosofia tanto ao considerar o universo espiritual como o universo natural.

(...)

Quanto ao ponto de vista inverso, o daqueles para quem a Idéia só vale nosentido restrito de representação da opinião, a esses opõe a filosofia a visão maisverídica de que só a idéia, e nada mais, é real, e então do que se trata é dereconhecer na aparência do temporal e do transitório a substância que é imanentee o eterno que é presente."
Hegel (Princípio da filosofia do direito -Pg.10)

É bonito. Mais que isso. Hegel é poético, quanto o assunto é anunciar esta verdade, este "segredo" filosófico:

"Com efeito, o racional, que é sinônimo da Idéia, adquire, ao entrar com asua realidade na existência exterior, uma riqueza infinita de formas, de aparênciase de manifestações, envolve-se, como as sementes, num caroço onde aconsciência primeiro se abriga mas que o conceito acaba por penetrar parasurpreender a pulsação interna e senti-Ia bater debaixo da aparência exterior. São infinitas as diversas situações que surgem nesta exterioridade durante a apariçãoda essência"

Minha mãezinha. Essa aparição deve ser quase um orgasmo.

Quer dizer que todas as imagens que tenho na cabeça, que eu pensei serem, e realmente são, IGUAIS às imagens que meus sentidos presenciaram, não são frutos destes, mas de algo além, que cria diretamente esse mundo que eu percebo, ou nas palavras do poeta Hegel, que pulsa internamente nas aparências da empíria, e que se manifesta à nós... Mas como? À algum de nós já se manifestou tal sublimição, tal espetáculo da essência?

Porque uma faculdade, que nasceu como consequência do desenvolvimento cerebral de certas espécies, e isto não inclui só o homem, e tem unicamente a finalidade de interação com o ambiente, seria responsável pelo surgimento deste? É a galinha nascendo antes do ovo?

A mim, parecem velhos perfumes em novos frascos...

sexta-feira, 2 de maio de 2008

O homunculus moderno

Em uma bela noite de lua cheia, um senhor de meia idade coberto por um manto dourado manipulava estranhos objetos em um porão escuro. Conhecido pelos amigos de birita por Celsinho, após uma gratificante estimulação bombeatória peniana, o que hoje chamamos masturbação, ejacula duas ou três penosas "lágrimas de um pinto apaixonado", pela alquimia neste caso, dentro de um frasco cilíndrico com tampa de rolha. Mas essa não era uma rolha qualquer... não senhor. Após a cuidadosa "tampagem", iniciava-se verdadeiro ritual que possibilitava um frasco erméticamente fechado, protegido pelo próprio Cerberus, que estava de folga no dia. Mas Celsinho, cujo verdadeiro nome era Paracelso, não se deu por satisfeito. Embrulhou o frasco cuidadosamente no que parecia ser esterco de vaca, e entoou o cântico dos Deuses, um mântra ensinado pelo próprio espírito de Merlim.


Tudo isto e mais um pouco foram necessários para a criação de um humano artificial, chamado por Celsinho de Homunculus. Mas o primogênito de Celsinho não estava sozinho no que tange à criação artificial de humanos pelas mãos dos homens, ou melhor, dos homens santos. Sim, eram necessários muitos anos de estudo e abdicação, tornar-se um verdadeiro homem santo, iniciado nas artes da alquimia para poder, obviamente, criar a vida, mesmo que imperfeita. Era necessário essa aproximação com Deus para tomar um pouquinho de seu poder. Mas como ia dizendo, homunculus não estava sozinho nessa. Seu ancestral mais próximo se chamava Golem, fruto do sêmen Judaico também criado em chocadeiras herméticas. Os Judeus iniciados na cabala tinham a permissão de criar vida artificial, muito embora suas crias não falassem, tinham grandes utilidades e se tornaram verdadeiros ajudantes de seus mestres cabalistas. Diz-se que mesmo Adão seria a primeira personificação desse Golem, também criado de barro, e que adquire características divinas em detrimento de sua natureza animal. Encontramos vestígios dessa tradição em filmes como Frankenstein e no anime japonês Fullmetal Alchemist, onde os alquimistas criam seus homunculus após uma tentativa falha de alquimia humana, ou seja, ressucitar alguém ou mesmo criar a vida.


Uma outra leva, considera que o objeto da alquimia não era bem o chumbo transformado em ouro, ou a matéria inanimada em vida, que isso seria mera fábula do verdadeiro objetivo hermético: A transformação da alma. A lapidação de uma alma bruta, selvagem, em uma pepita de ouro, e convenhamos, algumas instituições levam à sério essa lapidação. Forma-se hoje o perfeito homunculos moderno, por essas mesmas "ciências" que buscam a aproximação de Deus, e podem desfrutar do orgulho de se criar uma vida, totalmente diferente do que já existe, um ser dotado de um princípio metafísico, uma alma independente do corpo, tal que somente esses iniciados, aproximados de Deus, podem lhes transmitir seus mais profundos segredos.

Surge assim, depois de Golem e Homunculus, a terceira criação viva desses homens santos: Um perfeito homo-esotéricus, esculpido da carne bruta de um animal, em perfeita sintonia com o criador do universo. Esse ser já não possui mais suas características animais, a natureza mesmo é algo que não se encontra senão obscuramente, e deve ser "moderada", sufocada à todo o custo. Tudo o que lhes parece natural, meus caros homunculus, é o que nos afasta de Deus, devemos pois, anestesiar-mos, abdicarmos do que nos dá prazer, do que pode nos causar sofrimento, enfim, da vida. Só em um completo desapego dessas propriedades "mundanas" é que podemos nos aproximar da divindade, e tomarmos uma fração que seja, de seu infinito poder. Assim criaremos mais e mais Homunculus e Golens, dando continuidade à obra desses sábios homens santos. Que nos importa o que é natural, a própria vida, se temos o próprio criador dela nos ditando como devemos ser? Que nos importa que esse Ser transmita seus ensinamentos totalmente opostos à vida que ele próprio criou? Ou melhor, quem somos nós para questionar as ordens de Deus? Se seu desejo é criar uma nova raça de seres capazes de superar suas próprias leis, abdicando à vida para seguir a morte, quem somos nós para negar esse direito aos homens sábios de nos transformarem em seus ajudantes Gólens?

É chegada a nova era, meus caros humanóides. Tornai-vos pois, divinos, pois não há lugar para animais humanos, para a natureza, para a vida. É tempo de meditação, de abdicação, de desapego, de ascetismo. Mas acima de tudo, é tempo de nos aproximarmos de Deus, e tomarmos um pouquinho que seja de seu poder. Quem sabe assim entenderemos uma criação cheia de crueldade e sofrimento. Sim, nós somos os culpados, os Homunculus desgarrados que fugiram dos braços do Pai, revoltados com a paternidade contraditória e cruel que se deleita no sofrimento de suas figuras de barro, que se desmancham ao mais leve toque com a realidade. Ó Pai, livrai-nos dos homens sábios, que transformam o chumbo do corpo na pepita da alma, o sangue da natureza no barro de suas frustrações.