quarta-feira, 14 de maio de 2008

Velhos perfumes em novos frascos - O racional de Hegel

"O que é racional é real e o que é real é racionalEsta é a convicção de toda consciência livre de preconceitos e dela parte afilosofia tanto ao considerar o universo espiritual como o universo natural.

(...)

Quanto ao ponto de vista inverso, o daqueles para quem a Idéia só vale nosentido restrito de representação da opinião, a esses opõe a filosofia a visão maisverídica de que só a idéia, e nada mais, é real, e então do que se trata é dereconhecer na aparência do temporal e do transitório a substância que é imanentee o eterno que é presente."
Hegel (Princípio da filosofia do direito -Pg.10)

É bonito. Mais que isso. Hegel é poético, quanto o assunto é anunciar esta verdade, este "segredo" filosófico:

"Com efeito, o racional, que é sinônimo da Idéia, adquire, ao entrar com asua realidade na existência exterior, uma riqueza infinita de formas, de aparênciase de manifestações, envolve-se, como as sementes, num caroço onde aconsciência primeiro se abriga mas que o conceito acaba por penetrar parasurpreender a pulsação interna e senti-Ia bater debaixo da aparência exterior. São infinitas as diversas situações que surgem nesta exterioridade durante a apariçãoda essência"

Minha mãezinha. Essa aparição deve ser quase um orgasmo.

Quer dizer que todas as imagens que tenho na cabeça, que eu pensei serem, e realmente são, IGUAIS às imagens que meus sentidos presenciaram, não são frutos destes, mas de algo além, que cria diretamente esse mundo que eu percebo, ou nas palavras do poeta Hegel, que pulsa internamente nas aparências da empíria, e que se manifesta à nós... Mas como? À algum de nós já se manifestou tal sublimição, tal espetáculo da essência?

Porque uma faculdade, que nasceu como consequência do desenvolvimento cerebral de certas espécies, e isto não inclui só o homem, e tem unicamente a finalidade de interação com o ambiente, seria responsável pelo surgimento deste? É a galinha nascendo antes do ovo?

A mim, parecem velhos perfumes em novos frascos...

sexta-feira, 2 de maio de 2008

O homunculus moderno

Em uma bela noite de lua cheia, um senhor de meia idade coberto por um manto dourado manipulava estranhos objetos em um porão escuro. Conhecido pelos amigos de birita por Celsinho, após uma gratificante estimulação bombeatória peniana, o que hoje chamamos masturbação, ejacula duas ou três penosas "lágrimas de um pinto apaixonado", pela alquimia neste caso, dentro de um frasco cilíndrico com tampa de rolha. Mas essa não era uma rolha qualquer... não senhor. Após a cuidadosa "tampagem", iniciava-se verdadeiro ritual que possibilitava um frasco erméticamente fechado, protegido pelo próprio Cerberus, que estava de folga no dia. Mas Celsinho, cujo verdadeiro nome era Paracelso, não se deu por satisfeito. Embrulhou o frasco cuidadosamente no que parecia ser esterco de vaca, e entoou o cântico dos Deuses, um mântra ensinado pelo próprio espírito de Merlim.


Tudo isto e mais um pouco foram necessários para a criação de um humano artificial, chamado por Celsinho de Homunculus. Mas o primogênito de Celsinho não estava sozinho no que tange à criação artificial de humanos pelas mãos dos homens, ou melhor, dos homens santos. Sim, eram necessários muitos anos de estudo e abdicação, tornar-se um verdadeiro homem santo, iniciado nas artes da alquimia para poder, obviamente, criar a vida, mesmo que imperfeita. Era necessário essa aproximação com Deus para tomar um pouquinho de seu poder. Mas como ia dizendo, homunculus não estava sozinho nessa. Seu ancestral mais próximo se chamava Golem, fruto do sêmen Judaico também criado em chocadeiras herméticas. Os Judeus iniciados na cabala tinham a permissão de criar vida artificial, muito embora suas crias não falassem, tinham grandes utilidades e se tornaram verdadeiros ajudantes de seus mestres cabalistas. Diz-se que mesmo Adão seria a primeira personificação desse Golem, também criado de barro, e que adquire características divinas em detrimento de sua natureza animal. Encontramos vestígios dessa tradição em filmes como Frankenstein e no anime japonês Fullmetal Alchemist, onde os alquimistas criam seus homunculus após uma tentativa falha de alquimia humana, ou seja, ressucitar alguém ou mesmo criar a vida.


Uma outra leva, considera que o objeto da alquimia não era bem o chumbo transformado em ouro, ou a matéria inanimada em vida, que isso seria mera fábula do verdadeiro objetivo hermético: A transformação da alma. A lapidação de uma alma bruta, selvagem, em uma pepita de ouro, e convenhamos, algumas instituições levam à sério essa lapidação. Forma-se hoje o perfeito homunculos moderno, por essas mesmas "ciências" que buscam a aproximação de Deus, e podem desfrutar do orgulho de se criar uma vida, totalmente diferente do que já existe, um ser dotado de um princípio metafísico, uma alma independente do corpo, tal que somente esses iniciados, aproximados de Deus, podem lhes transmitir seus mais profundos segredos.

Surge assim, depois de Golem e Homunculus, a terceira criação viva desses homens santos: Um perfeito homo-esotéricus, esculpido da carne bruta de um animal, em perfeita sintonia com o criador do universo. Esse ser já não possui mais suas características animais, a natureza mesmo é algo que não se encontra senão obscuramente, e deve ser "moderada", sufocada à todo o custo. Tudo o que lhes parece natural, meus caros homunculus, é o que nos afasta de Deus, devemos pois, anestesiar-mos, abdicarmos do que nos dá prazer, do que pode nos causar sofrimento, enfim, da vida. Só em um completo desapego dessas propriedades "mundanas" é que podemos nos aproximar da divindade, e tomarmos uma fração que seja, de seu infinito poder. Assim criaremos mais e mais Homunculus e Golens, dando continuidade à obra desses sábios homens santos. Que nos importa o que é natural, a própria vida, se temos o próprio criador dela nos ditando como devemos ser? Que nos importa que esse Ser transmita seus ensinamentos totalmente opostos à vida que ele próprio criou? Ou melhor, quem somos nós para questionar as ordens de Deus? Se seu desejo é criar uma nova raça de seres capazes de superar suas próprias leis, abdicando à vida para seguir a morte, quem somos nós para negar esse direito aos homens sábios de nos transformarem em seus ajudantes Gólens?

É chegada a nova era, meus caros humanóides. Tornai-vos pois, divinos, pois não há lugar para animais humanos, para a natureza, para a vida. É tempo de meditação, de abdicação, de desapego, de ascetismo. Mas acima de tudo, é tempo de nos aproximarmos de Deus, e tomarmos um pouquinho que seja de seu poder. Quem sabe assim entenderemos uma criação cheia de crueldade e sofrimento. Sim, nós somos os culpados, os Homunculus desgarrados que fugiram dos braços do Pai, revoltados com a paternidade contraditória e cruel que se deleita no sofrimento de suas figuras de barro, que se desmancham ao mais leve toque com a realidade. Ó Pai, livrai-nos dos homens sábios, que transformam o chumbo do corpo na pepita da alma, o sangue da natureza no barro de suas frustrações.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

A racionalidade animal

Nunca pensei que o perturbativo poodle, hóspede digamos, pouco sociável de minha nobre caverna, pudesse despertar alguma reflexão proveitosa, e fazer-me escrever sobre isto. A idéia que habita o senso comum nos diz que os pobres animaizinhos são irracionais, dando-nos o prestigiado primeiro lugar, e único por sinal, na escala de racionalidade, a capacidade de fazer abstrações, deduções, enfim, raciocinar. Mas uma descompromissada análise desse axioma pode nos trazer algumas dúvidas, e uma certa desconfiança.

Como não podemos citar todas as definições do conceito de racionalidade, bem como o motivo do porquê os animais não a possuem, fiquemos com Hume, que se enquadra relativamente à idéia geral do termo:

"É impossível que a inferência do animal possa basear-se em algum processo de argumentação ou raciocínio, pelo qual ele conclua que eventos semelhantes devem seguir-se a objectos semelhantes e que o curso da natureza será sempre regular nas suas operações."

Ao me deparar com este parágrafo, dei de cara com o dito cujo, o poodle batizado, ou melhor, batizada de Kim, que ao me ver na sala, dispara em direção ao quintal. Eu, possuidor da magnífica e exclusiva capacidade de raciocínio, deduzo que ela deixou um presente no chão do apartamento, daqueles com odor bem desagradável, e que pela graça de uma divindade qualquer, é limpada pela mulher da casa. Como eu já tinha observado a cadela nessa fuga alucinante, logo após realizar suas necessidades no chão da sala, concluí que a semelhante corrida deve ter sua origem em uma semelhante necessidade abandonada no assoalho. Já que, nas palavras de Hume, "eventos semelhantes devem seguir-se a objectos semelhantes e que o curso da natureza será sempre regular nas suas operações." Sendo assim a natureza foi como sempre, mais regular e constante que o gotejar de uma torneira quebrada.

Peguemos agora Kim, nossa ilustre protagonista, e a visemos como sujeito desse gracioso evento. Certa vez, a apetitosa (na opinião de alguns japoneses) cadelinha Kim, estando muito apertada, e tendo uma particular preferência pelo chão da sala à lage do pátio, alcançou o clímax de seu processo digestivo, culminando no que eu chamo formalmente de uma grande bosta preta. O macho supremo e dominante do território, que por sinal era eu mesmo, chegou nos últimos suspiros anaiscadélicos, e observando aquela marcação não autorizada de seu terreno, disparou uma das havaianas tamanho 45 direto na bunda da desafiante cadelinha, o que por sua vez ocasionou uma fuga desesperada daquele território já conquistado.

Passado esse dia e mais alguns, aquele animal dominante que aqui chamo de "eu", chega em casa do serviço cansado, e dá de cara com a cadelinha Kim, que tem suas patas traseiras levemente arqueadas, e se prepara para mais uma tentativa de marcação do território. Obviamente nesse momento eu bato a porta e digo: Ahaam! - mostrando toda aquela extensão da já conhecida havaianas 45, e fazendo o animal desafiante sair em disparada, ainda mais desesperada que da primeira vez, quando foi acometida pela fúria do seu dono e carrasco. E eis que me perguntava se a cadelinha, tendo me observado na porta com o chinelo na mão, deduziu que àquilo se seguiria uma chinelada, e disso, muita dor. Na cabeça da infeliz, digo, da cadelinha Kim, deve ter sido impresso, com a ajuda de uma pequena dose de dor, a noção de que suas necessidades, quando feitas na sala e vistas por aquele bípede enorme, ocasionam uma dolorosa chinelada na bunda, que pode ser evitada por uma ágil corrida até seu lugar de origem, à saber, os fundos. Ora, a necessidade dessa corrida, dessa fuga repentina, deve-se à dedução, por parte da cadela, "que eventos semelhantes - (cagar na sala) - devem seguir-se a objectos semelhantes - (chinelada na bunda) - e que o curso da natureza será sempre regular nas suas operações." - Não fosse justamente esse processo racional, esse "esperar regularidade da natureza", não haveria necessidade da fuga, pois não haveria a conclusão, por parte da cadela, que fazer suas necessidades no assoalho da sala, necessariamente se seguiria à chinelada do macho dominante, em outras palavras, que a natureza seja regular em suas operações.

Logicamente os animais não humanos possuem uma certa limitação desse raciocínio, e uma equação de segundo grau não resolvida por uma macaca, poderia ainda levantar a suspeita de que são irracionais, e que somos os únicos privilegiados com uma ferramenta tão comum à natureza animal. Além do que, diriam alguns, temos a dádiva da linguagem, que nunca poderia ser utilizada por um ser tão primata quanto um macaco, ou um poodle. Mas à essa argumentação, é bom lembrar alguns experimentos científicos, como o de Roger Fouts, descrito no livro "O parente mais próximo", onde a macaca Washoe aprende satisfatoriamente a linguagem dos sinais para surdo-mudos:

"Durante toda sua vida, Washoe dominaria mais de uma centena de signos com uma sintaxe bastante bem elaborada, sendo capaz de criar novos significados para as palavras, assim como produzir variações pessoais do modo de representar determinadas idéias." - Scielo

Isso tudo é instinto, diriam alguns, os animais não "sabem que sabem", fazem por fazer, ou antes, porque as circunstâncias lhes obrigam à agir de determinada maneira. Então continuemos com nossa corroboração científica, e vejamos a conclusão de uma pesquisa feita recentemente por Allison Foote e Jonathon Crystal, publicada no periódico Current Biology:

"ratos são capazes de metacognição - em outras palavras, eles são capazes de saber se sabem de alguma coisa. Essa capacidade, que também pode ser descrita como a habilidade de avaliar ou refletir sobre o estado da própria mente, antes só havia sido reconhecida em seres humanos e outros primatas." - Tecnocientista

Mesmo os neurônios, que podemos nos gabar de possuir aos montes, são encontrados também nos golfinhos, em uma quantidade 3 vezes maior do que em humanos, sem contar que os danados inclusive se conhecem pelo nome. Conclui-se daí que não pode existir sequer uma demarcação de inteligências, já que não há menos ou mais inteligentes, simplesmente diferentes. Nós desenvolvemos determinados raciocínios e processos necessários à nossa espécie e ao nosso ambiente, e o mesmo se dá com todos os animais. Muito provavelmente grande parte deles possuí operações de raciocínio bem mais complexas do que nós, e nem por isso deixam de ser taxados irracionais.

E acaso não podem-se levantar outras mil e uma questões que certificam essa distância entre o "ser humano" e o animal? Algo deve nos diferenciar desses imbecis que mijam e cagam no chão da sala, e o que é pior, não se limpam depois disso! E assim caminha a humanidade, fabricando um gênero humano, raças humanas, leis divinas e costumes morais, tudo em prol da superioridade, ou melhor, de afirmar-nos superiores, melhores, únicos, e o resto é o resto. São todos irracionais. Será mesmo?

O problema são as implicações que essa distinção abriga. Seria muito mais complicado do ponto de vista ético realizar experiências em animais sencientes e inteligentes, sem contar que até a coleira para cães assume feições maquiavélicas, se vistas nesse contexto. Nada pior do que a mudança de hábito, de conceitos e costumes para a pobre mente animal-humana, que estremece ao menor sinal de divergência das suas convicções.

Ao menos à qualquer momento, podemos mostrar toda a nossa superioridade aos infelizes bichanos, mesmo que não haja uma comunicação interespécies que nos possibilite isso, nada que a linguagem do chinelo não faça inteligível à esses racionais, ou quase, familiares nossos.

Mais aqui, aqui, aqui e aqui.

sábado, 12 de abril de 2008

Da filosofia esotérica

A linguagem por vezes nos proporciona o belíssimo privilégio de falar muito sem dizer nada. Conceitos que são tão vazios e obscuros, que o conhecimento ordinário não é capaz de entendê-lo, é preciso ser um iniciado, não, é preciso ser o próprio Hermes Trimegistro para concebê-los, e ao menos ter alguma idéia do que estão falando. Essa linguagem não está presente apenas nos textos religiosos, metafísicos e místicos; Ela transborda na maioria dos escritos "filosóficos", uma verdadeira fábrica desses conceitos esotéricos."Pedro, por exemplo, é algo real; a verda deira idéia de Pedro, porém, é sua essência objetiva e, em si, alguma coisa real e totalmente diversa do próprio Pedro." - SpinozaAssim se expressava Spinoza no seu Tratado de correção do intelecto, dando a oportunidade de usá-lo como exemplo. A "idéia de que a idéia" é algo real, palpável, e diversa do objeto que ela representa, é algo que vem desde Platão, o filósofo esotérico por exelência, que supôs que as idéias unicamente eram reais, e o mundo percebido, os objetos e suas características, assumiam o posto de representação do verdadeiro. Em suma, esta vida é como uma pintura do mundo real, dando margem inclusive para a conteporaneidade interpretar esse "lugar" como um mundo espiritual. O computador só existe por que, antes de ser criado, já existia "a idéia do computador", que possibilitou a sua contrução, ou melhor, a representação da idéia do computador. No auge da sua ortodoxia esotérica, o filósofo chegou à condenar a pintura, pois esta, segundo ele, era na verdade "a pintura da pintura", como um plágio herético da descrição humana do mundo real, o das idéias. Isso não é muito diferente do conceito de Spinoza, que chama essa idéia verdadeira de "essência objetiva". Ora, se a idéia é algo que construímos de acordo com a percepção que obtivemos, ela nunca será objetiva, sempre subjetiva, relativa ao sujeito que percebeu, e formulou essa idéia. Mas se não há um objeto, uma idéia verdadeira, uma essência que possa ser percebida, não há como descobrir a verdade, e tudo desemboca no relativismo radical, todos estão certos, e tudo vira um caos, dizem eles, e de fato, é necessário que "sintamos" essa realidade. Precisamos saber se estamos certos, precisamos saber a verdade, e essa obsessão nos leva à cunhar termos ocos, atribuindo essências inteligíveis aos objetos, e criando mundos supra-sensíveis, onde é possível perceber a verdade em toda a sua extensão. Mas esse caminho não é fácil. É necessário um específico método para se chegar a certeza, ou melhor, é necessário uma "correção do intelecto", para que possamos entender e conceber esses termos, e nos orgulhar de possuírmos a verdade, não apenas uma limitada visão sobre o que quer que seja. Eis que estamos iniciados e prontos para a investigação do mundo empírico, agora dotados da imparcial percepção de um intelecto corrigido, predisposto à localizar a verdade onde quer que ela esteja."Daí se vê que a certeza nada mais é que a própria essência objetiva, a saber, o modo como sentimos a essência formal é a própria certeza..." - Spinoza (TCI)E eis que podemos nos orgulhar de termos certeza, pois essa não passa de um mero reflexo de que conhecemos a verdade, que "sentimos a essência" diretamente do que quisemos conhecer. Não precisamos mais da dúvida, da investigação, dos sentidos, pois, para se ter essa certeza,"não precisamos de nenhum outro sinal senão ter uma idéia verdadeira", é tão simples, como não pensei nisso antes?Mas o título de mestre da filosofia esotérica, eu credito ao grandioso Kant. Não há ninguém que consiga com tamanha eficiência demonstrar a existência do inexistente. Seu conceito "a priori", é outra materialização dessas idéias verdadeiras, é algo que já está contido no intelecto antes mesmo de qualquer percepção, que inclusive adicionamos à essa percepção, e que denominamos (ou deveríamos denominar) conhecimento puro. Devemos aprender à separar esse conhecimento puro, à distinguir o que foi percebido empiricamente, do que foi adicionado pela conhecimento puro, nossa "faculdade transcendental". E novamente damos de cara com aquela iniciação, que sem os anos de aperfeiçoamento e o uso do método correto, não poderemos distinguí-los, e estaremos condenados à pensar que todo o nosso conhecimento é devido às impressões sensíveis. Oh vida, oh agonia!"...(Esse) aditamento,(...) não distinguimos senão mediante uma longa prática que nos habilite a separar estes dois elementos."Ao contrário de Platão e Spinoza, Kant aqui não atribui o conhecimento puro, ou os conceito à priori, à um mundo das idéias, o verdadeiro, mas sim à uma "faculdade transcendental", que em sí mesma conteria esses conceitos antes mesmo de qualquer dado empírico. Assim, segundo ele, tomando como exemplo evidente desta faculdade a matemática, 1+1=2 já seria préexistente antes mesmo de querermos representar o que vimos. Não criamos 1+1=2 para representar os objetos e lidar com as quantidades, nascemos com esta faculdade de "matematicar" e inteligir tudo o que nos afeta pelos sentidos.Ninguém, pelo menos por enquanto, sintetizou tanto a natureza dessa iniciação filosófica quanto o famoso racionalista Descartes. O método cartesiano ganhou grande admiração levantando uma verdadeira frota de seguidores. O que ficou implícito nos outros métodos, foi explicitamente descrito no método cartesiano. Era preciso livrar-se de toda a experiência sensível. Os conceitos errados só podem provir de percepções enganosas, devemos pois, jogá-los fora, e, sem estar na posse desses dados duvidosos, construir as verdades absolutas, indiscutíveis, a essência objetiva Spinoziana, o conhecimento puro Kantiano, o mundo das idéias de Platão. Mas será mesmo possível o simples descarte de toda a experiência sensível que obtivemos? Ou será que nos julgamos livres de sua influência quando estamos eternamente predispostos à moldar nossas percepções à essa experiência? Querermos nascer de novo não nos faz nascer de novo. O desejo de esquecer um desgosto ou uma vitória não é suficiente para destruir essa memória. Talvez até quanto mais pensamos em esquecer determinada experiência, mais estaremos nos lembrando dela.Se há um método mais eficaz de conhecer a realidade, esse é descrevendo os dados obtidos. Não podemos descrever uma realidade se esta não for justamente o que é: uma descrição. No momento em que atribuímos uma natureza extra-sensorial à qualquer objeto exposto à percepção, seja "a priori", uma alma, uma idéia verdadeira, uma essência objetiva, já estamos nos aproximando do erro, pois não há em que se apoiar para sustentar quaisquer conceitos. Não estaremos descrevendo a realidade, mas fabricando-a, uma que, por sinal, é bastante diversa daquela que é percebida. Não, acho que não é uma boa idéia. Toda essa iniciação, toda essa fabricação de conceitos ocos e esotéricos me faz pensar que estou descrevendo qualquer "país das maravilhas", e, tal como Alice, só volto nesse mundo se for tomando aquele cházinho esperto! Aqui nesse mundo aparente, onde volto à ser o profano de sempre, é melhor somente falar dessas percepções, ou corro o risco de ficar mais louco do que já sou.

Da filosofia esotérica

A linguagem por vezes nos proporciona o belíssimo privilégio de falar muito sem dizer nada. Conceitos que são tão vazios e obscuros, que o conhecimento ordinário não é capaz de entendê-lo, é preciso ser um iniciado, não, é preciso ser o próprio Hermes Trimegistro para concebê-los, e ao menos ter alguma idéia do que estão falando. Essa linguagem não está presente apenas nos textos religiosos, metafísicos e místicos; Ela transborda na maioria dos escritos "filosóficos", uma verdadeira fábrica desses conceitos esotéricos.

"Pedro, por exemplo, é algo real; a verda deira idéia de Pedro, porém, é sua essência objetiva e, em si, alguma coisa real e totalmente diversa do próprio Pedro." - Spinoza

Assim se expressava Spinoza no seu Tratado de correção do intelecto, dando a oportunidade de usá-lo como exemplo. A "idéia de que a idéia" é algo real, palpável, e diversa do objeto que ela representa, é algo que vem desde Platão, o filósofo esotérico por exelência, que supôs que as idéias unicamente eram reais, e o mundo percebido, os objetos e suas características, assumiam o posto de representação do verdadeiro. Em suma, esta vida é como uma pintura do mundo real, dando margem inclusive para a conteporaneidade interpretar esse "lugar" como um mundo espiritual. O computador só existe por que, antes de ser criado, já existia "a idéia do computador", que possibilitou a sua contrução, ou melhor, a representação da idéia do computador. No auge da sua ortodoxia esotérica, o filósofo chegou à condenar a pintura, pois esta, segundo ele, era na verdade "a pintura da pintura", como um plágio herético da descrição humana do mundo real, o das idéias. Isso não é muito diferente do conceito de Spinoza, que chama essa idéia verdadeira de "essência objetiva". Ora, se a idéia é algo que construímos de acordo com a percepção que obtivemos, ela nunca será objetiva, sempre subjetiva, relativa ao sujeito que percebeu, e formulou essa idéia.

Mas se não há um objeto, uma idéia verdadeira, uma essência que possa ser percebida, não há como descobrir a verdade, e tudo desemboca no relativismo radical, todos estão certos, e tudo vira um caos, dizem eles, e de fato, é necessário que "sintamos" essa realidade. Precisamos saber se estamos certos, precisamos saber a verdade, e essa obsessão nos leva à cunhar termos ocos, atribuindo essências inteligíveis aos objetos, e criando mundos supra-sensíveis, onde é possível perceber a verdade em toda a sua extensão. Mas esse caminho não é fácil. É necessário um específico método para se chegar a certeza, ou melhor, é necessário uma "correção do intelecto", para que possamos entender e conceber esses termos, e nos orgulhar de possuírmos a verdade, não apenas uma limitada visão sobre o que quer que seja. Eis que estamos iniciados e prontos para a investigação do mundo empírico, agora dotados da imparcial percepção de um intelecto corrigido, predisposto à localizar a verdade onde quer que ela esteja.

"Daí se vê que a certeza nada mais é que a própria essência objetiva, a saber, o modo como sentimos a essência formal é a própria certeza..." - Spinoza (TCI)

E eis que podemos nos orgulhar de termos certeza, pois essa não passa de um mero reflexo de que conhecemos a verdade, que "sentimos a essência" diretamente do que quisemos conhecer. Não precisamos mais da dúvida, da investigação, dos sentidos, pois, para se ter essa certeza,"não precisamos de nenhum outro sinal senão ter uma idéia verdadeira", é tão simples, como não pensei nisso antes?

Mas o título de mestre da filosofia esotérica, eu credito ao grandioso Kant. Não há ninguém que consiga com tamanha eficiência demonstrar a existência do inexistente. Seu conceito "a priori", é outra materialização dessas idéias verdadeiras, é algo que já está contido no intelecto antes mesmo de qualquer percepção, que inclusive adicionamos à essa percepção, e que denominamos (ou deveríamos denominar) conhecimento puro. Devemos aprender à separar esse conhecimento puro, à distinguir o que foi percebido empiricamente, do que foi adicionado pela conhecimento puro, nossa "faculdade transcendental". E novamente damos de cara com aquela iniciação, que sem os anos de aperfeiçoamento e o uso do método correto, não poderemos distinguí-los, e estaremos condenados à pensar que todo o nosso conhecimento é devido às impressões sensíveis. Oh vida, oh agonia!

"...(Esse) aditamento,(...) não distinguimos senão mediante uma longa prática que nos habilite a separar estes dois elementos."

Ao contrário de Platão e Spinoza, Kant aqui não atribui o conhecimento puro, ou os conceito à priori, à um mundo das idéias, o verdadeiro, mas sim à uma "faculdade transcendental", que em sí mesma conteria esses conceitos antes mesmo de qualquer dado empírico. Assim, segundo ele, tomando como exemplo evidente desta faculdade a matemática, 1+1=2 já seria préexistente antes mesmo de querermos representar o que vimos. Não criamos 1+1=2 para representar os objetos e lidar com as quantidades, nascemos com esta faculdade de "matematicar" e inteligir tudo o que nos afeta pelos sentidos.

Ninguém, pelo menos por enquanto, sintetizou tanto a natureza dessa iniciação filosófica quanto o famoso racionalista Descartes. O método cartesiano ganhou grande admiração levantando uma verdadeira frota de seguidores. O que ficou implícito nos outros métodos, foi explicitamente descrito no método cartesiano. Era preciso livrar-se de toda a experiência sensível. Os conceitos errados só podem provir de percepções enganosas, devemos pois, jogá-los fora, e, sem estar na posse desses dados duvidosos, construir as verdades absolutas, indiscutíveis, a essência objetiva Spinoziana, o conhecimento puro Kantiano, o mundo das idéias de Platão. Mas será mesmo possível o simples descarte de toda a experiência sensível que obtivemos? Ou será que nos julgamos livres de sua influência quando estamos eternamente predispostos à moldar nossas percepções à essa experiência? Querermos nascer de novo não nos faz nascer de novo. O desejo de esquecer um desgosto ou uma vitória não é suficiente para destruir essa memória. Talvez até quanto mais pensamos em esquecer determinada experiência, mais estaremos nos lembrando dela.Se há um método mais eficaz de conhecer a realidade, esse é descrevendo os dados obtidos. Não podemos descrever uma realidade se esta não for justamente o que é: uma descrição. No momento em que atribuímos uma natureza extra-sensorial à qualquer objeto exposto à percepção, seja "a priori", uma alma, uma idéia verdadeira, uma essência objetiva, já estamos nos aproximando do erro, pois não há em que se apoiar para sustentar quaisquer conceitos. Não estaremos descrevendo a realidade, mas fabricando-a, uma que, por sinal, é bastante diversa daquela que é percebida.

Não, acho que não é uma boa idéia. Toda essa iniciação, toda essa fabricação de conceitos ocos e esotéricos me faz pensar que estou descrevendo qualquer "país das maravilhas", e, tal como Alice, só volto nesse mundo se for tomando aquele cházinho esperto! Aqui nesse mundo aparente, onde volto à ser o profano de sempre, é melhor somente falar dessas percepções, se desejo tecer conceitos "verdadeiros", ou corro o risco de ficar mais louco do que já sou.

terça-feira, 8 de abril de 2008

A conveniente valoração moral

De onde tiramos os conceitos de bem e mau, de bom e ruim, que usamos de instrumento para valoração dos atos nossos e dos outros? Em "Genealogia da moral", Nietzsche contrapõe as idéias de Paul Rée, psicólogo inglês que vê a origem da moralidade nas ações egoístas e não egoístas, que se fixam na idéia de bom e ruim.

No intitulado "A origem das impressões morais", o Dr. Paul Rée expõe a teoria de que nossa moral é valorada por aqueles que foram afetados pela ação, aos quais a ação foi útil, de acordo com sua intenção egoísta ou não egoísta. Ações egoístas, necessariamente seriam classificadas como más, por aqueles atingidos, e ações desprovidas de egoísmo, tal como compaixão, caridade, sacrifício ou humildade, julgadas como boas, assim como seus agentes, julgados bons. E assim, a sociedade tem seus valores morais fixados por terceiros, o qual são afetados pelas ações à serem valoradas. Depois de algum tempo de associação com os termos bom e ruim, a moral passaria a ser "sentida", como um "valor em sí". Nas palavras de Paul Rée:

"as ações não egoístas foram louvadas e consideradas boas por aqueles aos quais eram feitas, aqueles aos quais eram úteis; mais tarde foi esquecida essa origem do louvor, e as ações não egoístas, pelo simples
fato de terem sido costumeiramente tidas como boas, foram também sentidas como boas - como se em si fossem algo bom."


Em contraposição a esta tese, Nietzsche diz que a moral tem sua origem na nobreza de espírito, nos superiores em posição e pensamento que valoram a sí mesmos como bons, e ao extremo oposto, o comum, o baixo, o vulgar, como ruim. Esse sentimento de "superioridade", essa noção da distância entre o privilegiado e o vulgar, é que dariam, segundo o filósofo, os direitos de valoração e nomeação do que seria bom e ruim, para o grupo todo.

"Desse pathos da distância é que eles tomaram para si o direito de criar valores, cunhar nomes para os valores: que lhes importava a utilidade!"

Segundo Nietzsche, é somente com o declínio dos valores aristocráticos, com a "moral de rebanho", que o conceito de egoísta e não egoísta se estabelesce como critério de valoração. A etimologia das palavras bom e ruim, é que dão sustentação a hipótese:

"O exemplo mais eloqüente (...) é o próprio termo alemão schlecht [ruim], o qual é idêntico a schlicht [simples] - confira-se schlechtweg,
schlechterdings [ambos "simplesmente"]. (...) έσθλς [bom, nobre], significa, segundo sua raiz, alguém que é, (...) verdadeiro; depois, numa mudança subjetiva, significa o verdadeiro enquanto veraz: nesta fase da transformação conceitual ela se torna lema e distintivo da nobreza, e assume inteiramente o sentido de "nobre".


Mas há um problema nessa tese. Como ficariam as nações essencialmente pobres, ou, tal como ocorre hoje, a valoração não ocorra por uma estirpe elevada, mas pela generalidade do grupo? Poderia-se julgar as mesmas ações que antes eram nobres, boas, como egoístas, e agora, ruins. Para Nietzsche, isso representa uma decadência, uma degradação do que a moral significava em sua origem. Mas é preciso ultrapassar Nietzsche. Se a moral se estabelesce segundo a vontade daqueles que a valoram, não é nada mais do que os conceitos de quem julga postos como referência para essa valoração. Sendo assim, é tão particular e variável quanto a individualidade das pessoas. E de fato, tomando como exemplo a frase "Um tempo bom", para um agricultor poderia ser de grandes chuvas, mas para um veranista seria de muito calor. Isso não faz do veranista ou do agricultor mais certos ou errados, nem de Nietzsche ou de Paul Rée mais ou menos prováveis, apenas divergentes. Palavras são palavras, e podem representar para um, algo diametralmente oposto ao que representa para outro.

"O latim malus (ao qual relaciono μέλας [negro]) poderia caracterizar
o homem comum como homem de pele escura, sobretudo como de cabelos negros ("hic niger est-"),4 como habitante pré-aria no do território da Itália, que através da cor se distinguia claramente da raça loura, ariana, dos conquistadores tornados senhores;"


Mas Nietzsche não pensa sobre a África, que dificilmente denominaria ruim, ou mal, algo que fosse completamente natural, quase absoluto em seu meio. Daremos um desconto já que a arquelogia não mostrava ainda a origem do homem naquele continente, e Nietzsche poderia pensar que seriam valores já incrustados pela moral já degenerada. Também a genética não tinha dado seus ares e mostrado "A inexistência das raças humanas", e que não há superioridade alguma nesse sentido.

Se nem a utilidade, nem valores egoístas e não egoístas, tampouco a nobreza, a superioridade física e intelectual, possuem autoridade absoluta na valoração dos costumes e atos, o que nos impulsa a valorar os atos de uma pessoa, e os nossos mesmos? Não é a conveniência pura, as necessidades e desejos mais imediatos que nos faz definir algo como bom ou mal? E não definimos isso senão com relação à nós mesmos? Há entre nós aqueles que se auto-definiriam maldosos, ruins, enquanto "aceitam" seus opostos como bons, dada uma suposta autoridade da nobreza? A não ser que o bom seja adimitir-se ruim, uma tal humildade que, por tabela, mesmo considerando-se ruim, seríamos no final das contas, bons. Tudo aquilo que nos é comum, que faríamos, que nos pertence ou que nos beneficia, é o que valoramos bom, enquanto aquilo que é de fora, o diferente, seja oposto ou não, é o ruim. A moral em comum, os chamados códigos de ética, são pura ilusão, uma valoração pessoal que sempre irá se diferenciar daqueles que não convivem nesses hábitos. Dentro do próprio grupo que contitui a ética, pode haver tanta discordância entre termos específicos, quanto entre códigos de ética distintos de grupos adversários.

Quanta bondade deve haver em declarar-nos bons? A necessidade de justificar nossos atos e o medo de confrontação dos mesmos, nos leva a criar essa ilusória moral, que verifica e atesta nossos atos como o bom em sí, e desaprova tudo o que não faríamos, o que não nos é próprio, carimbando-lhes uma marca que, esperamos, seja de desgraça e desgosto, onde será mal visto por todos de tal grupo, como o mal, o ruim, o bárbaro, o imoral.

O quão conveniente foi lhe criar, minha cara moral! Ainda era necessário torná-la divina, a palavra de Deus, para que reinasse em toda a sua extensão. Agora podemos dormir em paz, a tão sonhada paz de espírito! Será mesmo um bom estado para se viver? Ou para morrer?

sábado, 5 de abril de 2008

O que é nanotecnologia?

Fuçando nos vídeos do youtube, e procurando algo de informativo e científico, encontrei uma série de vídeos sobre o funcionamento e a produção da nanotecnologia. Em uma linguagem simples e direta, esse primeiro vídeo explica razoavelmente bem o que é a nanotecnologia, e faz uma breve introdução aos conceitos e consequências dessa relativamente nova área da ciência.



O vídeo possui continuação, e, para os interessados, vale a pena dar uma olhadinha.