domingo, 30 de março de 2008

Estereótipo da ciência

No conhecido "senso comum", habita o estereótipo de um cientista maluco, que toma por verdade absoluta o que sua observação lhe apresenta. Constantemente se apresenta o cientista como aquele dogmático doutrinador, intolerante com todo o tipo de pensamento religioso, ou que contradigam suas "evidências comprobatórias".

Muitos inclusive, creditam ao consenco científico da época, a condenação de pensadores divergentes, julgados como errados, e posteriormente hereges e blasfêmos pela igreja. Obviamente as ciências empíricas de antigamente, não possuiam a rigorisade metodológica presente nas pesquisas e teorias contemporâneas. O problema da demarcação científica só foi cogitado recentemente, tendo recebido um maior enfoque por Karl Popper, resultando no critério de falseabilidade. Antes disso, muito se utilizava o conceito de verificacionismo, da filosofia positivista, para testar se uma hipótese era de fato científica ou não.

Em termos leigos, uma hipótese, na conceituação verificacionista, é considerada científica quando mostra-se passível de verificação, de observação empírica. Teorias metafísicas, questões sobre Deuses e espíritos, já estariam excluídas da pesquisa científica à partir desse ponto, devido à impossibilidade de verificação, de dados físicos, observáveis. Waismann torna isso claro:

"Se não houver meio possível de determinar se um enunciado é verdadeiro, esse enunciado não terá significado algum..."

No entanto, esse método traz consigo um germe do dogma, a possibilidade de comprovação. A comprovação, é literalmente uma verdade. Um fato observado, imutável e absoluto. Se, com a verificação, a hipótese resultasse positiva, com os dados empíricos certificando a teoria, haveria uma afirmação de que a teoria estava correta, consequentemente deve-se abandonar esforços afim de novas constatações ou refutações, visto que já está "comprovado" tal eficiência. Essa atitude pode ser o maior atraso em qualquer campo científico. A história da ciência humana mostra o quanto a própria ciência evolui, justamente refutando, ou contrapondo teses ao que antes era tido como "conseso científico".

Outra objeção comum ao método positivista é a impossibilidade de verificação das leis da natureza. Essas leis são enunciados universais, corroborados por todas as experiências realizadas até hoje. Porém, sendo o enunciado universal, ele se refere à todos os objetos particulares existentes, e não somente aos testados e verificados empiricamente. A lei da gravitação de Newton, se refere à todas as partículas de matéria existentes no cosmo. Ora, é claramente impossível verificar todas as partículas existentes, o que torna também impossível , a verificação do enunciado de Newton.

Essas objeções fizeram com que o quesito positivista entrasse em desuso, e tornaram neceessária a adoção de outro conceito como demarcação das teorias científicas. Se não nos é possível verificar os enunciados universais em sua totalidade, somente a possibilidade de refutação, frente à algum futuro caso particular, poderia estabilizar a teoria como ela realmente é, uma hipótese, e com efeito, declará-la científica. Nessa sopa primordial de elementos é que surge o critério de Popper, a falseabilidade.

De início, "A lógica da pesquisa científica" Popperiana expõe o problema principal da ciência moderna, a indução. Mesmo sendo a principal, e melhor, ferramenta disponível ao raciocínio do homem, ela apresenta uma dificuldade básica para a afirmação de qualquer enunciado. Um determinado número de vezes que um evento aconteça, não é garantia nenhuma de que esse mesmo evento continuará acontecendo eternamente. Mesmo que, sempre que eu tenha jogado uma bola para o alto ela tenha voltado à terra, não quer dizer que isso sempre vai acontecer. O enunciado "Todas as bolas jogadas ao alto retornaram ao solo", não tem o mesmo significado de "As bolas retornam ao solo quando atiradas para cima", já que esta última afirma que o evento irá ocorrer sempre, indiscriminadamente. Nas palavras de Popper:

"...está longe de ser óbvio, de um ponto de vista lógico, haver justificativa no inferir enunciados universais de enunciados singulares, independentemente de quão numerosos sejam estes;"

Não havendo possibilidade de afirmar uma preposição válida somente pelo número de vezes que aconteceu, é necessário, para uma teoria ser considerada científica, ter possibilidade de refutação. Se a experiência sensível não tiver meios de falsear a hipótese avaliada, não se pode considerá-la científica, empírica, segundo Popper. Como exemplo, "Lula morrerá amanhã", pode perfeitamente ser considerada empírica, já que podemos observar o resultado, enquanto que "Lula possuí um chakra élfico no estômago" não pode. Porém há um ponto que Popper esquece, ou propositadamente não aborda em sua LPC, o fato de que, se não podemos afirmar que um evento ocorrerá eternamente, tampouco podemos afirmar que nunca ocorrerá, mesmo que nunca tenha ocorrido anteriormente. O fato de algum dado particular ter contradito o enunciado universal, não significa que as futuras observaçoes, não mais irão corroborar a tese. Afinal, se mesmo o maior número de casos não é suficiente para universalizar uma teoria, tampouco deveria ser suficiente para falseá-la.

De fato, a história mostra que os cientistas, mesmo em contato com casos particulares em desacordo com a teoria, continuaram a defendê-la, propondo geralmente, alguma mudança que eliminasse a porção teórica refutada no evento singular. E aqui entra a outra objeção à Popper, o fato de que as hipóteses não podem ser testadas isoladamente em um teste experimental, mas somente um conjunto de hipóteses. Quando um caso singular falsifica uma das hipóteses, significa que esta deve ser revista para entrar em concordância com o restante do conjunto, e não que deva-se falsear todo o conjunto teórico.

Ambas correntes, além de focarem-se na demarcação dos conceeitos científicos, são um esforço da comunidade acadêmica para a libertação desse estereótipo do cientista, que afirma suas convicções à Deus e o mundo, desafiando todos e disposto à morrer ou matar na fogueira por seus pensamentos. Um esforço de mostrar que nada do que escrevemos, percebemos ou deduzimos é uma verdade, mas uma limitada forma de sentir o mundo, que desemboca em uma limitada e tendencial opinião sobre o mesmo.

Se é da diversidade de opiniões que tomaremos nossas conclusões, então o principal é não tomarmos nenhuma delas como verdade, mas como pontos de referência, que devem ser testadas, eternamente, sem nunca serem consideradas verdadeiras ou falsas, simplesmente, prováveis e improváveis. Ciência nunca foi afirmação, mas observação e dedução. A ciência não julga nem condena, opina, e se faz réu. Cientistas não são condenados por cientistas, mas por convictos, domáticos, inspirados de Deus. A verdade, a tão esperada verdade, inalcançável aos meros mortais, é que faz-se inimiga da ciência e do conhecimento, e não as idéias contraditórias, que a sublimam, que a divinizam, que a constroem por inteiro. Viva aqueles que nos mostram que estamos errados, e viva aqueles que sabem que nunca estarão certos.

sábado, 29 de março de 2008

Condenada por bruxaria

Pois é caros humanóides, em pleno século XXI, temos mais um caso de condenação por bruxaria. A senhora, acusada de bruxaria e feitos sobre-naturais, é amarrada à uma árvore e espancada, antes de ser levada à sabe-se lá aonde. Que o vídeo fale por sí mesmo. Seja feita a vontade de Deus, pelas mãos dos homens.

quinta-feira, 27 de março de 2008

O Ser e a Memória

Eu me pergunto o quanto o Ser, aquele mesmo, metafísico, espiritual, que sobrevive após a morte, e vaga pelo mundo materialista até desapegar-se dos "bens mundanos", está relacionado com a memória. Terapeutas de vidas passadas (como se minha aversão à psiquiatria já não fosse suficiente), borbulham aos montes pelo nosso país, filho único do grandiosíssimo Kardec, que indagou a verdade diretamente ao espírito de Platão, Aristóteles, e outros que esqueceram de mencionar a doutrina nos seus escritos quando em vida. Para os não familiarizados com a terapia de vidas passadas, que devem ser poucos, aqui vai a definição mais abrangente e geral que encontrei:


"Retro-cognição, também conhecida como regressão de memória ou regressão a vidas passadas, é um fenómeno psíquico espontânea ou induzida no qual o indivíduo lembra espontaneamente de lugares, factos ou pessoas relativos a experiências de vidas passadas, sejam elas, vidas ou períodos entre-vidas." - Site Ponto de Luz


Ultimamente, com o avanço das neurociências, há uma grande quantidade de artígos científicos estabelescendo a relação entre o cérebro e a memória. Mais do que isso. Os cientistas já determinam que a memória de curta duração, proveniente dos fenômenos visuais e auditivos, são "impressas" ou organizadas no cortex frontal, e são chamadas memórias executivas, ou de trabalho. As memórias de longa duração, essas sim, que podem durar a vida toda, são divididas em implícita e explícita. A memória implícita é aquela que acessamos inconscientemente, quando realizamos ações rotineiras como amarrar um sapato ou andar de bicicleta. A segunda corresponde ao resto das informações diárias.


Essas memórias são essenciais não somente para recordações futuras desses eventos presenciados, mas para o nosso raciocínio em geral. Por exemplo. Na primeira vez que fui queimado em uma fogueira, o cérebro registra as informações visuais e auditivas, bem como a dor sentida no memento da queimadura. Em uma segunda vez, logo que visualizo a fogueira, me vem à mente a dor que é sentida quando entramos em contato com o fogo. Assim sendo, julgo que não se deve mais chegar perto da fogueira se não quiser virar churrasquinho. Todo esse raciocínio só foi possível por que o primeiro evento gerou impressões sensoriais armazenadas no cérebro. Essa ação posterior, bem como o raciocínio que levou à esta conclusão de não chegar perto do fogo, também será armazenada no cérebro, como vemos nesse artigo da EINA:


"...associamos todas essas informações sensoriais com as ações que decidimos tomar e memorizamos esses episódios em nossa memória retrospectiva (veja A Noção de Tempo). Essa síntese dos eventos sensoriais e das ações a eles relacionados, que definem nossos episódios de vida, são registrados por neurônios do hipocampo e áreas vizinhas (Figura 1)."




Em outras palavras, mais precisamente nas do neuropsiquiatra Claudio Guimarães da USP:

“Na hora de buscar uma informação, as características de um determinado objeto, por exemplo, vêm das diferentes áreas cerebrais e se sintetizam no córtex frontal...” - Artigo Istoé


De fato, sabe-se que uma lembrança nunca vem à tona sozinha, e, em uma espécie de reminescência socrática, mas desta vez observável e científica, as memórias que estão relacionadas normalmente se apresentam ao sujeito em conjunto, como a lembrança do fogo que traz consigo a lembrança da dor de ser queimado, ou da cor e do som do fogo crepitando. Das diferentes áreas da qual provém, estas impressões, segundo Guimarães, sintetizam-se em uma área específica do córtex frontal. É um processo cerebral, físico, do começo ao fim, e imaginar uma lembrança sem esse instrumento, o cérebro, é como falar sem boca, ou respirar sem pulmões.


Com isso em mente, retornam as mesmas perguntas de antes. Como é possível um "ser vivo após à morte", que conserva sua memória não só da "última vida", mas resgata informações que já deveriam estar decompostas juntamente com seus cérebros à milhares de anos? Como é possível uma consciência, um "ser transcendental" ou sejá lá que nome se dê para isso, se lembre mas não tenha memória?

Um artigo na revista Viva mente & cérebro de janeiro de 2006, mostra que nem sempre nossa memória está em conformidade com os fatos.


"Nossa memória não distingue as lembranças “verdadeiras” das “falsas”. São ocorrências complexas e contraditórias, que passam por reformulações sucessivas." - Notícia RedePsi


Segundo o psicólogo Hans Markowitsch, na mesma revista em outro artigo, muitas memórias são construídas pelas emoções e sentimentos, e seriam, segundo a pesquisa acima, exatamente como as lembranças reais para seus "autores", pela impossibilidade do cérebro diferenciar a verdadeira, da memória criada, seja consciente ou inconscientemente.


Confesso que me parece uma hipótese bem mais provável (a de uma memória criada por emoções e tomada por verdadeira), do que aquele ser que se lembra sem possuir mais a memória. Mas poderia se dizer que os grandes gênios, conscientes de sua morte próxima, recebem de seus guias espirituais um palm-top quântico-místico incorpóreo, capaz de transferir todos os dados diretamente do cérebro por indução de neurônios, através de uma avançada técnica de mentalização magnética. Infelizmente essa hipótese não pode ser testada por nós, meros mortais materialistas, então por enquanto, eu fico no aguardo de uma hipótese mais plausível.

Mais informações aqui, aqui e aqui.



domingo, 23 de março de 2008

Ontologia da Loucura

Receio ficar um pouco mais louco a cada dia. E confesso, tenho orgulho disso. Há muito que sinto náuseas só de ouvir palavras como normal, comum. O maior ultraje para nós, diferentes, é sermos forçados a mudar, em favor de um comportamento padrão, de uma moral comum.
Falo isso, para introduzir uma linha de pensamento idealizada por Ronald David Laing, que rejeita conceitos tradicionais como da "doença mental", da normalidade, inaugurando um movimento chamado hoje de antipsiquiatria. Com efeito, muitas objeções já haviam surgido, e ainda surgem, sobre a impossibilidade de detectação da doença psiquiátrica, devido ao fato de não se tratar de um desequilíbrio químico passível de observação médica, mas de simples "avaliação" psicológica, que, como tal, está sujeita à "opinião" do psiquiatra. Daí se concluí que, não havendo uma detecção da doença por instrumentos médicos, o que se dá então é a rotulação do paciente, tendo em vista o comportamento e as informações passadas por este. Sendo assim, essa rotulação, e o consequente "tratamento médico", estão condicionados à parcialidade das informações obtidas naquele momento da consulta, bem como à formação e opinião do médico sobre tais comportamentos.
Laing, que chama o paciente psiquiátrico de "divergente social", diz que este é julgado e punido por apresentar certo incômodo ao pensamento padrão, normal, comum à sociedade, à maioria. A tese de Lang, que tem por base a definição da esquizofrenia, diz que alucinações e delírios podem ser nada mais do que uma defesa do cérebro contra situações difíceis, sofridas, da vida do paciente.
Isso nos remete à história da lobotomia. Em meados de 1890, o cientista alemão Friederich Golz, realizou experimentos de ablação cirúrgica do neocortex em cães, e relatou que os animais ficavam mais dóceis do que o "normal" (olha ele aí denovo), quando removidos os lobos temporais.
Essa experiência foi o suficiente para inspirar o doutor Gottlieb Burkhardt, na época, diretor de um asilo mental na Suíça, à realizar o procedimento em seis de seus pacientes, diagnosticados como esquizofrênicos, e que ficavam agitados devido à alucinações, segundo Golz. Dois deles morreram, alguns ficaram mais calmos, não se podendo definir se por consequência da operação, e Golz começou à ser duramente criticado por seus colegas e sucessores.

"...na década dos 30s, vários laboratórios experimentais nos Estados Unidos fizeram várias descobertas impressionantes sobre o papel dos lobos frontais e temporais do cérebro no controle do comportamento emocional e agressividade. Na Universidade de Yale, em 1935, um cientista chamado Carlyle Jacobsen fez observações sobre o comportamento de chimpanzés após a destruição do córtex frontal e pré-frontal por meio de uma lobotomia. Um dos animais, que ficava muito agressivo em certas situações, ficou calmo e fácil de manejar depois da operação...". Quem relata o ocorrido é R. Sabbatini, que continua:
"Walter Freeman, compareceu ao mesmo congresso de Londres que Egas Moniz, e posteriormente leu seus resultados em uma publicação. Fascinado coma idéia e os resultados obtidos, ele se uniu a um neurocirurgião, James Watts, para aplicar a nova técnica a pacientes americanos. Eles operaram pela primeira vez em setembro de 1936. Após alguns casos, eles estavam convencidos que a leucotomia funcionava, e começaram a fazer uma intensa propaganda da mesma."

Bem, o fato é que Freeman era mesmo convincente. Tinha agora à seu favor a elite da psiquiatria convencida à duras penas, e a imprensa.
Mas Freeman estava insatisfeito com a grande duração e a complexidade da operação, que são os empecilhos básicos para o lucro fácil. Tendo em vista essa dificuldade, elaborou, em 1945 um novo procedimento, que consistia em abrir um acesso ao lobo prefrontal através da órbita do olho. O leucótomo, instrumento necessário para a cirurgia que necessitava trepanação, foi substituído por um quebra-gelo, literalmente, diminuindo um pouco mais a dificuldade da operação.
Punha-se o quebra-gelo na parte superior da órbita, e um martelo faria, docemente, o trabalho de atravessar pele, tecidos e ossos, em direção à normalidade.
"O procedimento era tão impressionante, no entanto, que mesmos neurocirurgiões veteranos não agüentavam observar, e alguns chegavam a desmaiar ao testemunhar a verdadeira "linha de produção" montada por Freeman em alguns hospitais."

Se em uma "época normal", a sociedade já produz muitos indivíduos diferentes, "loucos", imaginem por volta de 1940, em plena segunda guerra mundial, onde uma avalanche de "esquizofrênicos" era internada todos os dias. Em poucos anos, mais de 20.000 pacientes foram operados só nos Estado Unidos. No Brasil, a técnica foi utilizada durante vinte anos, tendo alcançado seu ápice depois dos resultados obtidos pela curiosa pesquisa ministrada pelos psiquiatras Edgard Pinto Cesar, Darcy M. Uchôa, Eduardo Guedes e outros. Curiosa, pois todos os pacientes operados eram mulheres, fato não justificado pelo autor da pesquisa.
"De acordo com Barreto (op. cit., p. 353), até aquele momento ele teria conseguido 24% de "remissões completas ou de melhoras muito nítidas". "Apenas" um paciente teria falecido...".
Nesse artigo, do doutorando em psicologia André Luis Masiero, entendemos o porquê da continuidade dos experimentos mesmo com a sua duvidosa eficácia:
"Nas estatísticas dificilmente eram contabilizados os casos "piorados", isto é, que ficaram com seqüelas irreversíveis, mesmo porque ninguém se interessava por métodos de avaliação psicológica mais eficientes que a simples e rápida observação diária."

Além disso, sempre se acrescentava, à cada experimento novo, um ou dois detalhes técnicos com o intuito de aumentar a efetividade, e assim podia-se ministrando mais e mais lobotomias com a justificativa de um "método ainda incompleto". Para a história detalhada, continuar lendo o artigo, ou a página de R. Sabbatini.

Enfim, o fato é que as divergências entre os métodos psiquiátricos e o movimento chamado antipsiquiatria perduram até hoje.
Na crítica de Foucault, a psiquiatria assume um outro papel, onde o psiquiatra nos diz:

"Sabemos sobre a sua doença e sua singularidade coisas suficientes, das quais você nem sequer desconfia, para reconhecer que se trata de uma doença; mas desta doença conhecemos o bastante para saber que você não pode exercer sobre ela e em relação a ela nenhum direito. Sua loucura, nossa ciência permite que a chamemos doença e daí em diante, nós médicos estamos qualificados para intervir e diagnosticar uma loucura que lhe impede de ser um doente como os outros: você será
então um doente mental".

Esse seria o jogo de poder, a autoridade que a psiquiatria exerce sobre o paciente, que, em microfísica do poder, Foucault descreve detalhadamente, e, de cara, define a antipsiquiatria fechando esse post com chave de ouro:

"Este jogo de uma relação de poder que dá origem a um conhecimento
que, por sua vez, funda os direitos deste poder, caracteriza a psiquiatria "clássica". E este círculo que a anti−psiquiatria pretende desfazer, dando ao indivíduo a tarefa e o direito de realizar sua loucura levando−a até o fim numa experiência em que os outros podem contribuir, porém jamais em nome de um poder que lhes seria conferido por sua razão ou normalidade; mas sim destacando as condutas, os sofrimentos, os desejos de estatuto médico que lhes tinham sido conferidos, libertando−os de um diagnóstico e de uma sintomatologia que não tinham apenas valor classificatório, mas de decisão e de decreto, invalidando enfim a grande retranscrição da loucura em doença mental."


Um viva à todos os loucos, e um brinde ao desprezo pela "normalização", pelo senso comum e pela psiquiatria.



sexta-feira, 21 de março de 2008

Má formação congênita

Eis aqui, para os sádicos, satânicos, loucos e incompreendidos, uma avalanche de fotos de animais que bem poderiam servir de vilões em algum desenho japonês, mas são fruto da conhecida má formação congênita. Estes primeiros encontrei no Mundo gump.


Vejamos então algumas formosuras:


Sim amigo. Eles são verdadeiros. E sim, aquilo é uma cabeça.
Achei também o gatinho dos X-man:


E seus irmãos Gêmeos:


Não vale rir pessoal. Isso é triste!

Bem... Como nenhum animal está livre dessa má formação congênita, aqui vai fotos da menina, ou das meninas, recentemente promovida à encarnação de Deusa, que nasceu no norte da Índia:


Para quem ainda não está satisfeito, aqui tem um prato cheio, fotos e dados técnicos de felinos, mas em ingês.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Das (in)existentes raças humanas

Muitos projetos políticos possuem um problema sério na sua fundamentação. As cotas para universidades, os projetos de igualdade racial, se baseiam no conceito de que raças humanas são definidas genéticamente, mas científicamente, e consequentemente na prática, essa definição é feita a partir do fenótipo, ou seja, da aparência do "avaliado", que por sua vez é definida pela interação do genótipo com o meio ambiente em que se desenvolveu. Como consequência disso, surgem divergências, tais como os irmãos gêmeos que foram avaliados separadamente para o sistema de cotas de uma universidade, e um foi rotulado como branco, ou caucasiano, e o outro negro, sendo os dois completamente idênticos.


Logicamente, esse deve ser método de julgamento":
O aspirante à vaga se dirige à secretaria, a moça pede para o garoto se posicionar em frente a janelinha, compara a cor do candidato com uma tabelinha de cores das tintas Renner na parede, e pronto, o estudante sai dalí com uma nova "raça" carimbada no formulário de cadastro.

Em 2008, foi publicada uma pesquisa científica do qual participaram 5 cientistas, que avaliaram mais de 8 mil amostras genéticas, colhidas aleatoriamente pelo mundo. A conclusão, nas palavras de Alan Templeton, biólogo que dirigiu a pesquisa, foi de que "as diferenças genéticas entre grupos das mais distintas etnias são insignificantes".
Por ironia do destino, ou não, o estalo de Templeton de que as "raças" estão bem longe de ser um conceito definido cientificamente, se deu no Brasil, quando, nas suas palavras:
"Em minha primeira visita ao Brasil em 1976, eu descobri que a classificação racial usada pelos brasileiros não era a mesma usada nos Estados Unidos; que a mesma pessoa poderia ser classificada de forma bem diferente em dois países. Aquela experiência me ensinou então que o conceito de raça não é necessariamente biológico."
Na pesquisa, as maiores diferenças no código genético se deram entre indivíduos de uma mesma etnia. Bem, no final das contas, talvez a moça que tivesse avaliado os irmãos gêmeos na universidade estivesse certa, e a avaliação consistisse em um avançado teste de genes do candidato, mais avançado do que a própria ciência. Nada descarta também uma possível intuição feminina.

O conceito de raça, dos cães por exemplo, foi definido unicamente pela vontade do ser humano de separar um determinado grupo, isolando-o e cruzando-o somente com os do mesmo grupo. Esse grupo então, após longos anos de separação dos outros fenótipos, acaba desenvolvendo uma diferenciação nos genes, que não estavam presentes quando da primeira aparição da espécie. O mesmo, acredita-se, dá-se com humanos. As pesquisas atuais apontam para uma origem única do ser humanos, a saber, a África, de onde teriam migrado para os outros continentes, para só então, permanecerem um tempo isolados uns dos outros, formando dois grupos distintos, com a aparência diferenciando-se unicamente pela ação do meio ambiente, ou melhor, pela interação do indivíduo com o habitat em que se encontravam.

"Mas nenhum grupo humano foi sujeito a estas condições de isolamento. De facto, todos os dados científicos mostram que temos um ancestral comum em África e que desde sempre o constante movimento e a consequente troca de bens, informação cultural e genética impedem que se gerem grupos humanos isolados. É sabido que basta haver migração de poucos indivíduos em cada geração para homogeneizar potenciais diferenças genéticas entre grupos."
http://www.comunicar-ciencia.org/website/index.php?option=com_content&task=view&id=72

É uma lástima para nós, brasileiros, sabermos que um conceito político "emergido" em meados do século 18, que tinha como único objetivo justificar e hierarquizar o domínio da recém surgida "burguesia" européia sobre as "raças inferiores", ainda esteja em uso na política Brasileira. A entrevista da querida Matilde Ribeiro, deixa bem claro o espírito de tais leis, e a que tipo de pensamentos podem levar:
"não é racismo quando um negro se insurge contra um branco".

Investir na educação básica de todos, para chegarem à universidade por seus próprios méritos e em iguais condições, não para quem tem a pele mais escura, mas para quem possui menos condições financeiras, é complicado, demanda tempo, e muito dinheiro.
Colocando "à força" uma determinada parte da população na faculdade é rápido, fácil, custa pouco, e de cara, ganhamos muitos votos para uma futura candidatura!

Pelo banimento desse termo da comunidade científica, aqui vai o final do artigo de Sérgio D. J. Pena - docente do departamento de bioquímica e imunologia da UFMG:

"Assim, a única maneira de lidar eticamente com a variabilidade genética dos brasileiros é individualmente, como seres humanos únicos e singulares nos seus genomas mosaicos e nas suas histórias de vida. Do ponto de vista médico, esta conscientização nos leva a propor que o conceito de raça deveria ser banido da medicina brasileira e que a palavra raça deve ser eliminada dos nossos prontuários clínicos."

Sérgio D. J. Pena - docente do departamento de bioquímica e imunologia da UFMG.

sexta-feira, 14 de março de 2008

A Verdade


Afinal, o que tomamos por verdade? Entende-se normalmente por verdade, a conformidade de um determinado conceito com seu respectivo objeto. Mas é aí que reside o problema central não só do verdadeiro e do falso, do real e do irreal, mas de toda a discórdia entre a humanidade. Isso é consequência direta de nossa individualidade, seja chamada de ser, ente, consciencia ou espírito. Prevista pela relatividade geral de Einstein, a noção de que dois ponto de referência obterão dados diferentes sobre um mesmo objeto é clara, em certos aspectos.A pergunta é: Quem será o juíz que determinará qual destas visões possui conformidade com os fatos em sí? O que usamos como intermédio para verificar a procedência dos conceitos expressos por uma percepção pessoal, e definí-las como falsas ou verdadeiras? Desde muito tem se usado instrumentos que inflam o peito de quem os usa, e que podemos chamá-los autoridade. A autoridade pode ser exercida nesses casos pela razão, onde confia-se na chamada lógica, constante em métodos filosóficos e no método científico. Pode também ser proveniente de livros sagrados ou religiosos, que arrogam-se inspirados por Deus ou por "espíritos" superiores. Mas "a verdade" é que, em primeira e em úlltima instância, não temos aí mais do que percepções pessoais confirmando percepções pessoais. É raro, senão impossível encontrarmos dois seres humanos concordantes em todos os seus conceitos, salvo pelas situações em que um deles é chamado "seguidor", e o outro, mestre. Daí fica fácil descobrir a verdade, basta termos ouvidos, e escutá-la. Mas para nós (eu), espíritos inferiores, não inspirados por Deus, não possuidores de poderes extra-sensoriais, e cheios de dúvidas, não passamos de desgraçados melancólicos, não sabemos sobre o que falamos, não conhecemos a verdade, e nunca teremos nada nem ninguém que nos diga se nossa percepção é exatamente como o objeto em sí.

Daí a importância de se ter inimigos, como dizia Nietzsche, não para extermina-los, ou para dizer-lhes: "Estão errados! "Mas para confrontar a cada dia nossas idéias, a fim de obter a visão mais abrangente possível sobre os fatos e objetos. Ilustra-se fácil essa posição com a imagem de um quadrado de cores diferentes em cada lado. Joãozinho, estando à minha direita diz que o quadrado é vermelho, mas Adão, prostado ao esquerdo diz que é azul, enquanto Marcola que está à frente diz que é rosa. Eu, cansado de dizer que o quadrado é na verdade branco, paro um pouco de me deter somente em meu campo de visão, e pergunto aos outros o que veem. O resultado não pode ser outro senão a minha opinião de que o quadrado possui 4 cores diferentes em cada um dos quatro lados.Será uma visão mais aberta e detalhada, mas ainda sim uma das, ou até mesmo as 4 percepções estejam enganadas, ou que tenham mentido, ou que Deus tenha dito a um deles que está certo, e tenha mudado as cores do outro lado para confundir seus "inimigos". Mas no fundo, será sempre a minha visão sobre o quadrado, mesmo que impregnada dos conceitos formados por visões de outrem, seremos, ou serei, sempre este desgraçado melancólico, lutando por mostrar a coerência, a conformidade de minha observação com o objeto, sabendo que nunca encontrarei alguém que tenha a mesma perceepção que eu, e espalhando aos quatro ventos a cor do quadrado que enxergo. Ah se o quadrado falasse...

quarta-feira, 12 de março de 2008

Homeopatia

Antes de mais nada, façamos aqui um breve resumo de como surgiu, e no que consiste essa pequena grande "medicina" chamada homeopatia.
O termo foi cunhado do grego homoios, semelhante, mais pathos, doença, por Christian Friedrich Samuel Hahnemann, e forma o grande axioma dos homeopatas, cuja fórmula é "similia similibus curantur", similares curam-se com similares.
A técnica consiste em fornecer uma quantidade ínfima de um produto que cause os mesmos sintomas detectados na doença do paciente. Essa quantidade provém do próprio medicamento, esse testado clinicamente, diluído inúmeras vezes até o ponto em que nenhuma molécula do medicamento se faça presente. É como diluírmos uma gota de neosaldina em um balde de água, desse balde retirarmos outra gota, que será diluída em outro balde, e repetirmos o procedimento 30, 40, ou até 50 vezes, tomarmos uma colher de chá dessa pura água, e acreditarmos que nossa dor de cabeça será completamente curada. Abaixo, um artigo do físico Robert L. Park descrevendo essa diluição:

"Em um sem número de medicamentos homeopáticos, por exemplo, a diluição de 30X é basicamente o padrão. A notação 30X significa que a substância foi diluída em uma parte em dez e agitada e o processo, então, repetido seqüencialmente trinta vezes. A diluição final é de uma parte de medicamento em 1.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 partes de água. Isso está além do limite de diluição. Para ser exato, em uma diluição de 30X seria necessário se beber 7.874 galões [30 m³ ou 30.000 litros] da solução para se esperar encontrar apenas uma única molécula de medicamento. Comparado a muitas preparações homeopáticas, mesmo 30X é concentrado. Oscillococcinum, o remédio homeopático padrão para a gripe, é produzido a partir de fígado de pato, mas o seu uso generalizado na Homeopatia cria pouco risco à população de patos — a diluição padrões é de estonteantes 200C. O C significa que o extrato é diluído em uma parte em cem e agitado, repetindo-se duas centenas de vezes. Isso resultaria em uma diluição de uma molécula de extrato para cada 10400 moléculas de água — isto é, 1 seguido de 400 zeros. Mas há apenas 1080 (1 seguido de 80 zeros) átomos em todo o universo. A diluição de 200C está muito, muito além do limite de diluição de todo o universo visível!"


Logicamente o efeito placebo entra em ação nesse momento, como que o super-homem surgido do Clark Kent homeopático, e traz algum alento ao nauseabundo paciente. E é aí que entra a real filosofia homeopata. Atribui-se ao medicamento agora completamente diluído, que pode não passar de pura farinha ou água, uma essência, uma "informação energética" que mesmo com a destruição dos seus componentes físicos, leia-se moléculas, permanece imaculada no diluente, contendo todos os princípios terapêuticos do próprio medicamento. A procura por termos mais científicos resultou em nada, visto que os "fatos" não são observáveis, e nada pode surgir daí senão uma linguagem metafísica, esotérica, inteligível talvez, para uma pequena parte privilegiada de seres, obviamente dotada de alguma percecpção extra-sensorial ou faculdade transcendental da razão. Essa dificuldade em observar resultados eficazes em laboratório, é causa do número cada vez maior de adeptos com conceitos cada vez mais abrangentes e dos mais diversos possíveis, a fim de corroborar uma teoria cansativamente falseada. um exemplo disso podemos encontrar em um site dedicado à "informações médicas":

"Utilizando remédios naturais destinados a aumentar as capacidades curativas que o organismo possui, a Homeopatia trata a pessoa dentro da sua globalidade."

No início, um novo conceito homeopata, que diz-se aumentar as funcionalidades curativas do próprio paciente. Logo após, mais conceitos espiritualistas, que em verdade, nada querem dizer. A literatura homeopata está repleta destes termos, já que o método científico, e a mera observação sensível não são suficientes para fazer-se notar a eficácia do método homeopático.
Dito isso, passamos agora às marteladas científicas. Muitos testes têm se feito para comprovar ou desmistificar a homeopatia. E claramente não obtemos nenhum resultado que corrobore a hipótese de que as propriedades terapêuticas sobrevivam às seguidas diluições e consequente destruição das moléculas do medicamento. Houveram pesquisas pequenas e pouco significativas devido à não rigorosidade dos testes, que observaram algumas melhoras nos pacientes usuários de remédios homeopáticos. Essa pesquisa ilustra a metodologia citada:

"No momento, a evidência resultante de estudos clínicos é positiva, mas não suficiente para se chegar a conclusões definitivas porque a maioria dos estudos tem baixa qualidade metodológica e por causa do papel desconhecido da falta de imparcialidade nas publicações."
Kleijnen, J., Knipschild, P. and ter Riet, G. Clinical trials of homeopathy. BMJ 1991; 302: 316-323. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/1825800?dopt=Abstract

Assim, sempre que se faziam testes mais abrangentes e rigorosos, o resultado não apresentava mais eficácia que o placebo.
A revista científica The Lancet publicou em 2005 um artigo em que uma pesquisa analisa 110 estudos sobre a eficácia dos medicamentos homeopáticos, e tem como resultado:

"Estudos maiores e melhores da homeopatia não mostram a diferença entre seus efeitos e os efeitos de placebos, enquanto que no caso dos remédios tradicionais, ainda observamos efeitos".
Quem fala aqui é o professor Matthias Egger, da Universidade de Berne. http://noticias.uol.com.br/bbc/2005/08/26/ult2363u4190.jhtm

Egger sugere que paremos com o financiamento de pesquisas com remédios homeopáticos, visto que são mais de décadas de pesquisas que não obtiveram nenhum resultado convincente para a comunidade científica. Não são poucos os estados que já não aderem mais aos medicamentos homeopáticos. Como citado no artigo a seguir, tomado como exemplo:

"Uma autoridade de saúde de Londres decidiu parar de pagar tratamentos homeopáticos em virtude da falta de evidências que justifiquem seu uso."

Wise, J. Health authority stops buying homoeopathy. British Medical Journal 314:1574,1997 http://www.bmj.com/cgi/content/full/314/7094/1569/i

Infelizmente para nós, brasileiros, a homeopatia é reconhecida como medicina, e vendida como comprovada cientificamente. Mas sempre há aqueles que não procuram "O segredo" por trás das aparências, graças ao bom senso, e ao senso de vida. Afinal, a única e real vida é esta, e, pelo menos eu, não espero nada melhor do que a terra, ou o mar, no final de tudo. Vale então deixar um pouco de procurar, e apenas contemplar. Poucos são os dados, mas abandoná-los seria voltar a estaca zero. Infelizmente também, nas palavras de Luis Fernando Veríssimo:

"A vida é a arte de tirar conclusões suficientes de dados insuficientes".