quinta-feira, 27 de março de 2008

O Ser e a Memória

Eu me pergunto o quanto o Ser, aquele mesmo, metafísico, espiritual, que sobrevive após a morte, e vaga pelo mundo materialista até desapegar-se dos "bens mundanos", está relacionado com a memória. Terapeutas de vidas passadas (como se minha aversão à psiquiatria já não fosse suficiente), borbulham aos montes pelo nosso país, filho único do grandiosíssimo Kardec, que indagou a verdade diretamente ao espírito de Platão, Aristóteles, e outros que esqueceram de mencionar a doutrina nos seus escritos quando em vida. Para os não familiarizados com a terapia de vidas passadas, que devem ser poucos, aqui vai a definição mais abrangente e geral que encontrei:


"Retro-cognição, também conhecida como regressão de memória ou regressão a vidas passadas, é um fenómeno psíquico espontânea ou induzida no qual o indivíduo lembra espontaneamente de lugares, factos ou pessoas relativos a experiências de vidas passadas, sejam elas, vidas ou períodos entre-vidas." - Site Ponto de Luz


Ultimamente, com o avanço das neurociências, há uma grande quantidade de artígos científicos estabelescendo a relação entre o cérebro e a memória. Mais do que isso. Os cientistas já determinam que a memória de curta duração, proveniente dos fenômenos visuais e auditivos, são "impressas" ou organizadas no cortex frontal, e são chamadas memórias executivas, ou de trabalho. As memórias de longa duração, essas sim, que podem durar a vida toda, são divididas em implícita e explícita. A memória implícita é aquela que acessamos inconscientemente, quando realizamos ações rotineiras como amarrar um sapato ou andar de bicicleta. A segunda corresponde ao resto das informações diárias.


Essas memórias são essenciais não somente para recordações futuras desses eventos presenciados, mas para o nosso raciocínio em geral. Por exemplo. Na primeira vez que fui queimado em uma fogueira, o cérebro registra as informações visuais e auditivas, bem como a dor sentida no memento da queimadura. Em uma segunda vez, logo que visualizo a fogueira, me vem à mente a dor que é sentida quando entramos em contato com o fogo. Assim sendo, julgo que não se deve mais chegar perto da fogueira se não quiser virar churrasquinho. Todo esse raciocínio só foi possível por que o primeiro evento gerou impressões sensoriais armazenadas no cérebro. Essa ação posterior, bem como o raciocínio que levou à esta conclusão de não chegar perto do fogo, também será armazenada no cérebro, como vemos nesse artigo da EINA:


"...associamos todas essas informações sensoriais com as ações que decidimos tomar e memorizamos esses episódios em nossa memória retrospectiva (veja A Noção de Tempo). Essa síntese dos eventos sensoriais e das ações a eles relacionados, que definem nossos episódios de vida, são registrados por neurônios do hipocampo e áreas vizinhas (Figura 1)."




Em outras palavras, mais precisamente nas do neuropsiquiatra Claudio Guimarães da USP:

“Na hora de buscar uma informação, as características de um determinado objeto, por exemplo, vêm das diferentes áreas cerebrais e se sintetizam no córtex frontal...” - Artigo Istoé


De fato, sabe-se que uma lembrança nunca vem à tona sozinha, e, em uma espécie de reminescência socrática, mas desta vez observável e científica, as memórias que estão relacionadas normalmente se apresentam ao sujeito em conjunto, como a lembrança do fogo que traz consigo a lembrança da dor de ser queimado, ou da cor e do som do fogo crepitando. Das diferentes áreas da qual provém, estas impressões, segundo Guimarães, sintetizam-se em uma área específica do córtex frontal. É um processo cerebral, físico, do começo ao fim, e imaginar uma lembrança sem esse instrumento, o cérebro, é como falar sem boca, ou respirar sem pulmões.


Com isso em mente, retornam as mesmas perguntas de antes. Como é possível um "ser vivo após à morte", que conserva sua memória não só da "última vida", mas resgata informações que já deveriam estar decompostas juntamente com seus cérebros à milhares de anos? Como é possível uma consciência, um "ser transcendental" ou sejá lá que nome se dê para isso, se lembre mas não tenha memória?

Um artigo na revista Viva mente & cérebro de janeiro de 2006, mostra que nem sempre nossa memória está em conformidade com os fatos.


"Nossa memória não distingue as lembranças “verdadeiras” das “falsas”. São ocorrências complexas e contraditórias, que passam por reformulações sucessivas." - Notícia RedePsi


Segundo o psicólogo Hans Markowitsch, na mesma revista em outro artigo, muitas memórias são construídas pelas emoções e sentimentos, e seriam, segundo a pesquisa acima, exatamente como as lembranças reais para seus "autores", pela impossibilidade do cérebro diferenciar a verdadeira, da memória criada, seja consciente ou inconscientemente.


Confesso que me parece uma hipótese bem mais provável (a de uma memória criada por emoções e tomada por verdadeira), do que aquele ser que se lembra sem possuir mais a memória. Mas poderia se dizer que os grandes gênios, conscientes de sua morte próxima, recebem de seus guias espirituais um palm-top quântico-místico incorpóreo, capaz de transferir todos os dados diretamente do cérebro por indução de neurônios, através de uma avançada técnica de mentalização magnética. Infelizmente essa hipótese não pode ser testada por nós, meros mortais materialistas, então por enquanto, eu fico no aguardo de uma hipótese mais plausível.

Mais informações aqui, aqui e aqui.



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