quinta-feira, 3 de abril de 2008

O excremento da moral

Mal havia acabado de escrever o post "Ontologia da loucura", e me deparei com um artigo do psiquiatra Victor Leonardo da Silva Chaves, que, perdoem o título e os termos, nada mais que asco e desprezo poderiam suscitar. O texto todo é um exelente exemplo de como não se deve argumentar, principalmente se o propósito for a desconstrução de qualquer ideologia.

Do começo ao fim, o texto não passa de uma associação completamente indevida com todo o tipo de movimento político esquerdista, bem como com tudo aquilo o que eles, os tão elevados moralistas, desprezam tanto e manifestam o tanto de sua estupidez. Logo de início, Chaves expõe um projeto de lei do deputado Paulo Delgado, que propunha a extinção de manicômios, e que, segundo ele, teve a aprovação do congresso anunciada pela "imprensa anarco-comunista", seja lá o que isso quer dizer.

"Há indícios de má-fé - continuou o psiquiatra - pois tal projeto fora aprovado em 1989, somente na Câmara Federal por voto de lideranças e derrotado no Senado Federal, seguido pelos substitutivos dos Senadores Lucídio Portela e Sebastião Rocha. Ambos modificaram substancialmente o projeto original. Esse último substitutivo é o que foi aprovado nas datas acima, tornando-se a Lei 10 216 de 06/04/01[D.O.U. 09/04/01]."

Sim amigos, há indícios de má-fé, mas o psiquiatra Chaves esqueceu-se de dizer quais são. E ele continua rotulando, como o rapaz do estoque de supermercado que cola a etiqueta de preços em todos os produtos da loja:

"Essa mistificação foi feita pela esquerda que domina os meios de comunicação, pois esse projeto é uma expressão política de uma doutrina de inspiração anarco-comunista, denominada de antipsiquiatria."

Como se o fato do nosso querido psiquiatra identificar os meios de comunicação com "a esquerda", e a doutrina da antipsiquiatria com o que ele chama de anarco-comunismo, fosse um sólido argumento contra os conceitos da "doutrina", que até agora Chaves sequer se dignou a expor. Mas eis que surge a definição do conceito:

"O termo antipsiquiatria passou a ser usado na década de sessenta para designar uma corrente doutrinária na área de saúde mental que tinha por característica principal contestar a validade da Ciência Médica para resolver os problemas de psiquiatria."

O problema é que a "doutrina" não tinha por característica "contestar a validade da Ciência Médica para resolver os problemas de psiquiatria, visto que não viam nessa "resolução de problemas" nada de ciência médica. Pelo contrário. A ciência médica, se dá pela constatação de desequilíbrios biológicos no ser, o que não podia ser efetivamente realizado na esfera "mental", ou psiquiátrica. Podemos sim definir como a contestação da ciência psiquiátrica, bem como a diferenciação entre esta e a ciência médica. Para terminar o brilhante parágrafo, Chaves anuncia:

"Antipsiquiatria é uma ideologia perniciosa, de inspiração anarquista."

Pronto. Pensam que acabou? Não. O Dr. Victor é dotado de exelente capacidade argumentativa, e a análise não para poraí. Depois de uma perfeita análise da filosofia de Nietzsche, como aquele que "faz apologia do nada" (seja lá oque ele queira dizer com isso), bem como as "doutrinas filosóficas" que influenciaram esse subjetivismo imoral, deparei-me com esta também brilhante concepção do movimento hippie, que obviamente está interligado à todos esses ataques à moral e aos bons costumes.

"Na esfera moral o mote foi “paz e amor”: com paz eles queriam dizer ociosidade; com amor, luxúria, devassidão dos costumes."

Perfeito. Que belo dicionário de conceitos não teríamos se o nosso querido psiquiatra Victor Chaves não escrevesse um novo aurélio filosófico. Esses, apesar de vocês não notarem, são grandiosos argumentos contra a corrente da antipsiquiatria, mas é necessária uma certa "intelectualidade" especial para percebê-lo. Por exemplo, citando também Foucaut como influenciador da doutrina, vemos uma excelente descontrução de seus argumentos:

"Esse indivíduo é suspeito, pois em 1948, tentou suicídio e foi internado em hospital psiquiátrico. Outro fato de conhecimento público e notório era o de que ele era pederasta e morreu de SIDA [AIDS] em 1984."

Sim, isso é tudo. Foucault era gay. Gay e aidético. E o pior de tudo, já tinha sido internado em um hospital psiquiátrico, não deve-se dar crédito à tais idéias imorais, que denigrem toda a moral dos povos civilizados. Logo no início, o site mostra que Victor é "licenciado" em filosofia. Ora Victor, mataste a aula de falácias, mas como tive a oportunidade de não ter um professor com tal desenvoltura argumentativa, exponho-lhe que ad hominem, é aquela famosa falácia de ataque pessoal, quando não temos argumento nenhum para contrapor às idéias de nossos adversários, e só nos resta uma única alternativa, calar-nos.

"Os apologistas da antipsiquiatria classificam esses argumentos de mesquinhez..."

Não victor, não se pode classificar como mesquinhez o que sequer é um argumento! Sua afecção pela homossexualidade alheia, bem como seu moralismo absoluto como prova de veracidade, se colocados na lista de "argumentos", torna impossível qualquer debate, qualquer discussão entre duas pessoas, tanto quanto não podemos contradizer as idéias de uma vaca. Agora vejamos o que o brilhante psiquiatra Chaves descreve como "consequências da antipsiquiatria":

"A Organização Mundial de Saúde retirou o diagnóstico de homossexualidade da categoria de perversão sexual da Classificação Internacional de Doenças..."

Meu Deus... quero dizer... seu Deus, o que ele diria disso? Ufa... ainda bem que não estamos mais na inquisição...

"No meio de saúde mental, já apareceram pervertidos que vêem com certa naturalidade a prática sexual entre seres humanos e animais. Políticos demagógicos ou degenerados defendem a legalização de casamento entre pervertidos sexuais e, o que é pior, isso já não choca mais as pessoas comuns."

Quer dizer, a antipsiquiatria gerou uma síndrome de tesão por animais, o que foi crucial para a aceitação dessa relação sexual. E o que pode ser pior do que "pervertidos sexuais", vulgo homossexuais, casando-se??? Isso não choca as pessoas comuns??? Não, senhor Victor Chaves, isso choca somente pessoas preconceituosas e ignorantes. E a lista de consequências não para poraí:

"Aparecem criminosos compulsivos, assassinos desvairados que metralham inocentes nas escolas, nos cinemas. Suicídios coletivos, liderados por um maníaco, tornam-se rotina."

Deus do céu, essa antipsiquiatria é mesmo o instrumento do demônio. E Chaves confirma esse fato, estabelescendo uma brilhante analogia entre o número da besta e a década de 60, que, segundo ele, foi a época de perversão dos valores morais que mais foi influenciada pela antipsiquiatria. Essa é a conclusão do artigo de Victor Chaves, Ex-psiquiatra do Quadro de Saúde da Aeronáutica, e que dispensa quaisquer comentários:

"Talvez haja até uma relação cabalística entre o número 666 e a década de 60. Seu número, 666 [Apocalipse 13:18], é uma série constituída pela repetição, três vezes, do algarismo “6”. A década de 60 [1961/1970] tem nove vezes o algarismo “6” repetido. Nove é o triplo de três. A década de 60 é o triplo da besta apocalíptica. Que os místicos da Nova Era [New Age] reflitam sobre isso."

Será que eu preciso tomar um passe?

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